terça-feira, 10 de maio de 2016

Pinheiro Machado: o "fazedor de reis" da República (Por Thiago Muniz)

José Gomes Pinheiro Machado nasceu em Cruz Alta (RS) no dia 8 de maio de 1851, filho de Antônio Gomes Pinheiro Machado e de Maria Manuela de Oliveira Aires. Seu pai foi deputado na Assembleia Geral do Império. Seu irmão Ângelo Gomes Pinheiro Machado foi constituinte de 1891, deputado federal por São Paulo de 1891 a 1896 e deputado federal pelo Rio Grande do Sul de 1900 a 1905 e de 1909 a 1910.

Outro de seus irmãos, Salvador Pinheiro Machado, recebeu a carta-patente de general em reconhecimento aos serviços militares prestados à República, foi vice-presidente do Rio Grande do Sul de 1913 a 1918, e como tal assumiu a presidência do estado entre 1915 e 1916, durante o afastamento de Borges de Medeiros por motivo de doença.

Em 1854, José Gomes Pinheiro Machado e sua família mudaram-se para São Luís Gonzaga (RS), onde passou a maior parte de sua infância e adolescência. Em 1865, matriculou-se na Escola Militar do Rio de Janeiro, então capital do Império. 

No ano seguinte, sem o consentimento de seu pai, fugiu da escola para alistar-se como voluntário na Guerra do Paraguai (1864-1870), que foi o conflito externo de maior repercussão na América do Sul, não só pela mobilização e perda de homens, mas também por seus aspectos políticos e financeiros. O confronto entre a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) e o Paraguai representou um divisor de águas para a história desses países. No caso argentino e uruguaio, a guerra influenciou a consolidação de seus respectivos Estados nacionais. 

Para o Paraguai, o conflito deflagrou uma enorme crise econômica e social, tornando a economia paraguaia um satélite da economia da Argentina. Já para o Brasil, a Guerra do Paraguai representou o apogeu da força militar brasileira, mas, paradoxalmente, acirrou as contradições da monarquia.

Em 1867, Pinheiro Machado ganhou a estrela de primeiro cadete do 4º Corpo de Cavalaria. Em 1868, diante de um grave problema de saúde e frente à insistência de seu pai, deu baixa do Exército.

Embora desejasse seguir a carreira militar, obedeceu à orientação do pai e passou a dirigir a estância da família em São Luís Gonzaga, onde permaneceu até 1872. Nesse ano, diante dos apelos de sua família para que retomasse os estudos, abandonou a vida rural e foi estudar em São Paulo. Após concluir o curso preparatório, matriculou-se em 1874 na Faculdade de Direito e passou a integrar o movimento republicano radical, que organizou um Clube Republicano e lançou o periódico A Renascença. 

Desde então, passou a dedicar-se ao jornalismo acadêmico, revelando suas tendências para a política. Em 5 de agosto de 1876, ainda estudante, casou-se com a paulista Brasiliana Benedita Paula e Silva. Após formar-se em direito em 1878, regressou a São Luís Gonzaga, onde passou a exercer a advocacia.

DA PROPAGANDA À REPÚBLICA

Pinheiro Machado envolveu-se intensamente na propaganda republicana no Rio Grande do Sul. Em 1880 fundou o Clube Republicano de São Luís Gonzaga e nos anos seguintes participou de diversas conferências republicanas, bem como de excursões políticas organizadas pelos republicanos que percorreram a província. Entrou para a política ao lado de Joaquim Francisco de Assis Brasil e Júlio de Castilhos, de quem se tornou grande amigo e o mais leal dos correligionários.

Juntamente com Júlio de Castilhos, Assis Brasil, Venâncio Aires, Ernesto Alves, Álvaro Chaves e outros, participou da fundação do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), em fevereiro de 1882. O PRR defendia a eleição direta dos chefes do Executivo federal, estadual e municipal; o voto livre e público; a liberdade de pensamento e de expressão, de reunião e de associação, e o ensino primário leigo e gratuito. 

Propunha ainda a autonomia dos municípios e dos estados, que deveriam, estes últimos, ser regidos por constituições e leis próprias e isentos da intervenção da União, a não ser nos casos em que o regime republicano federativo estivesse ameaçado. O órgão oficial do PRR era o jornal A Federação, que foi criado em janeiro de 1884 e foi decisivo para o êxito do partido. Afinal, os jornais foram os mais importantes veículos de comunicação social e de propaganda política ao longo do século XIX.

A partir de 1888, Pinheiro Machado foi vereador na Câmara Municipal de São Luís Gonzaga, onde residia. Lá estava quando, no dia 15 de novembro de 1889, um golpe militar, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca e apoiado por um pequeno grupo de republicanos civis, derrubou o Império, proclamou a República no Brasil e instituiu um governo provisório tendo à frente o próprio marechal Deodoro.

DA CONSTITUINTE À REVOLUÇÃO FEDERALISTA

Convocadas as eleições para o Congresso Nacional Constituinte, em 15 de setembro de 1890 Pinheiro Machado foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul, na legenda do PRR. Tomou posse em 15 de novembro seguinte e participou dos trabalhos de elaboração da primeira Constituição republicana do Brasil. 

Promulgada a Constituição em 24 de fevereiro de 1891, no dia seguinte o marechal Deodoro foi eleito pelos constituintes presidente da República. Pinheiro Machado, assim como a maioria da bancada do PRR, apoiou a eleição do marechal. Em junho seguinte, ao ter início a legislatura ordinária, tomou assento no Senado Federal no Rio de Janeiro, agora Distrito Federal. Na mesma época, no Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos foi eleito presidente do estado.

O governo constitucional de Deodoro iniciou-se sob forte tensão política, agravada pela crise econômica. Descontente com a oposição parlamentar, em 3 de novembro o presidente ordenou o fechamento do Congresso Nacional. Júlio de Castilhos de início não se manifestou, mas no dia 12 de novembro acabou por declarar-se a favor de Deodoro. No dia seguinte, seus opositores obrigaram-no a renunciar. 

Enquanto Castilhos deixava o poder no Rio Grande do Sul, o chamado golpe de Deodoro despertava reações em todo o país. A ameaça da Marinha de bombardear a cidade do Rio de Janeiro levou o próprio Deodoro a renunciar em 23 de novembro, apenas nove meses após ter assumido a presidência. 

Seu lugar foi ocupado pelo vice-presidente marechal Floriano Peixoto. Como a Constituição de 1891 previa novas eleições caso a presidência ficasse vaga antes de decorridos dois anos da posse do titular, novas crises surgiram, decorrentes da pressão, sobretudo da Marinha, pela realização de eleições.

Em 17 de junho de 1892, após um acordo político com Floriano – que queria evitar que o poder no Rio Grande do Sul caísse nas mãos de Gaspar Silveira Martins –, Júlio de Castilhos, através de um movimento armado, foi reposto no governo do Rio Grande do Sul. Ainda conforme o acordo, porém, renunciou ao cargo, passando-o ao vice-presidente do estado por ele nomeado, Vitorino Carneiro Monteiro, que, por sua vez, deveria convocar eleições estaduais. 

Carneiro Monteiro afastou-se do cargo em setembro de 1892, para assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, e foi substituído pelo segundo vice presidente estadual, Fernando Abott. Nas eleições que se seguiram, Castilhos foi reeleito presidente do estado do Rio Grande do Sul e em 26 de janeiro de 1893 tomou posse. No mês seguinte, seus opositores deram início à Revolução Federalista.

Com a deflagração da Revolução Federalista, Pinheiro Machado licenciou-se imediatamente do Senado e partiu para os campos de batalha, disposto a lutar ao lado de Júlio de Castilhos, seu amigo e companheiro político. Incorporou-se à divisão do general Francisco Rodrigues Lima e exerceu papel de destaque entre as hostes republicanas. Por sua atuação durante a revolução, recebeu do marechal Floriano Peixoto, por atos de bravura, as honras de general de brigada.

24 ANOS NO SENADO

Com o fim dos confrontos no Rio Grande do Sul, Pinheiro Machado reassumiu sua cadeira no Senado Federal. Foi reeleito senador pelo Rio Grande do Sul em 1897, 1906 e 1915, para mais três mandatos de nove anos cada. Foi vice-presidente do Senado entre 1902 e 1905 e 1912 e 1915. A eleição para a vice-presidência do Senado era a mais elevada honra que seus pares podiam lhe conceder, já que a função de presidente do Senado pertencia ao vice-presidente da República e, portanto, não estava acessível a um senador. 

Em 1897, divergências internas levaram à dissolução do Partido Republicano Federal (PRF), ao qual pertencia o presidente Prudente de Morais (1894-1898). O partido havia surgido em 1893, a partir da fusão de partidos republicanos regionais, e era liderado por Francisco Glicério. Quando da cisão, Pinheiro Machado, juntamente com seus correligionários do Rio Grande do Sul, ficou ao lado de Francisco Glicério e passou a integrar a oposição ao governo de Prudente de Morais. Ainda em 1897, no dia 5 de novembro, durante uma cerimônia militar, Prudente de Morais sofreu um atentado. 

O presidente saiu ileso, mas o então ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, faleceu ao tentar defendê-lo. Diante disso, Prudente de Morais decretou o estado de sítio no Rio de Janeiro. Acusado de cumplicidade no atentado contra o presidente da República, Pinheiro Machado foi preso e recolhido ao couraçado Riachuelo durante 33 dias.

Nas eleições presidenciais de 1898, Pinheiro Machado defendeu fortemente o nome de Júlio de Castilhos como candidato à sucessão de Prudente de Morais. No entanto, essa candidatura não foi aceita pela maioria dos republicanos históricos. 

Assim sendo, Pinheiro Machado passou a apoiar a candidatura de Lauro Sodré. Contudo, contando com o apoio do governo federal, que utilizou a pressão e as fraudes em seu favor, o eleito foi Campos Sales, candidato do Partido Republicano Paulista (PRP).

Ao assumir a presidência (1898-1902), Campos Sales procurou conquistar o apoio do PRR, sempre liderado por Júlio de Castilhos. O novo presidente tornou-se amigo próximo de Pinheiro Machado, que atuou como um de seus principais sustentáculos políticos, embora fosse contrário à “política dos governadores” inaugurada pelo próprio Campos Sales. 

Nesse contexto, Pinheiro Machado exerceu acentuada influência sobre as cúpulas partidárias e conseguiu obter várias concessões dentro do intransigente regime da “política dos governadores”

Durante a presidência de Rodrigues Alves (1902-1906), a proeminência política de Pinheiro Machado acentuou-se cada vez mais entre os republicanos. Já durante o governo de Nilo Peçanha (1909-1910), seu amigo e colaborador, seu prestígio político atingiu o auge. Coube-lhe assim um papel decisivo por ocasião da escolha do candidato à sucessão presidencial. 

Seu apoio e articulações políticas foram fundamentais para a eleição, em março de 1910, do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914). Considerado o grande eleitor da República, o árbitro da política brasileira, tornou-se um dos líderes do Partido Republicano Conservador (PRC), fundado em novembro daquele ano pelos representantes das elites dos estados descontentes com a chamada “política do café com leite”, pela qual o poder federal vinha alternando entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.

Em 1912, enquanto era vice-presidente do Senado, Pinheiro Machado assumiu o cargo de presidente da comissão executiva do PRC, substituindo Quintino Bocaiúva, que faleceu em 11 de julho daquele ano. Como já havia ocorrido em 1910, desempenhou também papel de relevo na eleição de 1914, quando foi eleito Venceslau Brás (1914-1918).

Em 30 de janeiro de 1915, Pinheiro Machado foi eleito pela última vez senador pelo Rio Grande do Sul. No dia 8 de setembro, o senador gaúcho foi apunhalado pelas costas, quando entrava no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, para visitar seu amigo e adversário político, Rubião Júnior, então presidente do Senado estadual de São Paulo. 

As motivações do crime, cometido por Francisco Manso de Paiva Coimbra, não foram suficientemente esclarecidas. À época, a polícia concluiu que o assassino agiu por iniciativa própria. O corpo de Pinheiro Machado foi transportado para o Rio Grande do Sul, onde foi enterrado ao lado de seu amigo Júlio de Castilhos, que falecera em 1903. Com sua morte, o PRC, do qual era presidente, praticamente desapareceu.

Pinheiro Machado participou decisivamente do cenário político brasileiro e, embora nunca tenha ocupado o cargo de ministro de Estado, foi o responsável pela indicação de vários ministros para diversas pastas. Além disso, dominou a máquina política de seu estado natal e projetou sua liderança pessoal sobre o Senado e a Câmara, formando um bloco majoritário muito coeso. Tinha ainda o controle da Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional, responsável pelos resultados eleitorais finais e pela diplomação dos eleitos. 

Através desse controle, podia negar uma cadeira no Congresso Nacional a um adversário, fazendo com que a comissão considerasse fraudulentos votos suficientes para dar a vitória a outro candidato. Dessa forma, alcançou um poder que talvez nenhum outro político tenha conseguido ao longo da Primeira República brasileira. E, como tal, elevou o Rio Grande do Sul a uma posição de eminência que o estado ainda não tivera na República e só durante a monarquia alcançara.

Em sua homenagem, muitas cidades no Rio Grande do Sul e em São Paulo batizaram ruas com seu nome. Além disso, diversos colégios e escolas em todo o país também passaram a ostentar o nome de Pinheiro Machado. No Rio de Janeiro, a rua Guanabara, localizada no bairro das Laranjeiras, também recebeu o nome de rua Pinheiro Machado. 

Era na colina que se inicia nessa rua que Pinheiro Machado residia, no Palacete do Morro da Graça, edifício de estilo eclético comprado em 1897 que logo se tornou um importante centro político da República, frequentado por políticos e autoridades destacadas e palco de importantes decisões partidárias.

Em 1931, foi inaugurado o monumento ao senador Pinheiro Machado, localizado na Praça Nossa Senhora da Paz, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro. A figura em bronze, em tamanho natural, do senador foi obra do escultor Leão Veloso. Em 8 de maio de 1951, por ocasião do centenário do nascimento de Pinheiro Machado, foi realizada uma cerimônia cívica junto ao monumento em homenagem àquele que era conhecido como o Senador de Ferro e se destacou como um dos mais proeminentes políticos da Primeira República no Brasil.




Fontes:

ABRANCHES, J. Governos; ABREU, A. Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Partido Republicano Rio-grandense (verbete temático). Disponível em: < http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 14/03/2016;

BORGES, V. Morte (p.296); CÂM. MUN. SÃO LUIZ GONZAGA (RS). Disponível em: http://www.camarasaoluiz.com.br/v2/index.php?p=camara>; ;

CARONE, E. República; CIACCIA, P. Árvore; DORATIOTO, F. Maldita; ESCOBAR, W. Apontamentos; Família Pinheiro Machado: http://pinheiromachado.neobiz.com.br> ;

FAUSTO, B. História; FLORES, H. Revolução; FLORES, M.; FLORES, H. Rio Grande do Sul; FRANCO, S. Dicionário; FRANCO, S. Partido; GERSON, B. História; GODOY, O. História; Grande encic. Delta; GRIJÓ, L. Entre; LEITE NETO, L. Catálogo biográfico;

Senado Federal; SENADO. Disponível em: http://www.senado.gov.br>; VIDAL, J. República.


BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.

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