domingo, 21 de junho de 2015

Rogerio Skylab: o poeta ultra-contemporâneo (Por Thiago Muniz)

Rogério Skylab, nome artístico de Rogerio Tolomei Teixeira (Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1956), é um cantor, músico, compositor e poeta brasileiro, formado em letras e filosofia pela UFRJ, não exercendo. O músico e poeta Rogério Skylab é dono de um vasto repertório literário e filosófico, constituído em meio a um ambiente nada inspirador.

Rogério é casado com a fotógrafa Solange Venturi.

Quem só conhece Rogério Skylab “por alto” não imagina o que há por trás de sua excentricidade, humor negro e gosto pelotrash. Autor de clássicos do underground como “Eu tô sempre dopado” e “Amo muito tudo isso?”, o músico, poeta e agora apresentador do Canal Brasil (onde comanda o talk show “Matador de passarinho”) é um leitor obsessivo e autodidata, dono de uma erudição rara no universo da cultura pop brasileira.


Skylab tem uma estética punk aliada a uma postura lírica, um dos alicerces do seu trabalho.

Iniciou sua carreira musical em 1991 e ganhou notoriedade nacional ao aparecer repetidas vezes no programa de entrevistas de Jô Soares. Ele é ex-funcionário do Banco do Brasil, onde trabalhou por 27 anos. Durante seus shows é comum uma grande interação com a plateia, de modo a performizar e enfatizar as letras de suas músicas.

Suas letras tendem normalmente ao pessimismo e minimalismo. Apesar de ser considerado como humor negro por terceiros, ele renega veementemente essa característica e não considera sua obra ligada ao humor. Musicalmente se assemelha a gêneros diversos como garage rock, seresta, bossa nova e punk rock dos anos 1980.

Em 2012, tornou-se entrevistador do programa Matador de Passarinho, no Canal Brasil.

Ele já foi caçador de passarinhos, cantou sobre o desejo escuso de apagar uma velhinha --daquelas que atravancam o caminho-- e já construiu uma versão Frankenstein e cheia de podres da apresentadora Fátima Bernardes. Hoje, Rogerio Tolomei Teixeira, o Rogério Skylab, quer apenas ser levado a sério.

O carioca, famoso por suas entrevistas extravagantes no programa de Jô Soares, atualmente divulga seu novo trabalho, "Melancolia e Carnaval", segundo capítulo de uma trilogia carnavalesca. Um álbum independente --como todos de sua carreira-- lançado em plena Copa do Mundo, cinco meses depois da Quarta-feira de Cinzas.

Distante da estética low-fi da série "Skylab", o novo trabalho se entrega à canção brasileira, num resgate aos velhos sambas orquestrados da boemia carioca. Um tipo de música que, segundo Rogério, se perdeu no curso da história, entre os batuques e rodas da geração pós-Zeca Pagodinho.

"Eu faço uma conexão entre o samba e a melancolia, que são coisas que se entrelaçam na nossa cultura, com depressão absoluta e sofrimento. E, musicalmente, ele vai muito na contramão do que se valoriza hoje aqui no Rio, do samba do bloco Cacique de Ramos, que enfoca muito mais a percussão", diz Skylab, com propriedade no território onde agora pisa.

Como atestam faixas como "Tudo é Tão Deprê" e "Aqui Todo Mundo é Preto", o universo poético do músico continua o mesmo. Mas as influências musicais agora passeiam por Ataulfo Alves, Baden Powell e Jards Macalé, que participa do álbum na faixa "Cogito", enquanto a Velha Guarda da Mangueira brilha em "Vamos Esquecer" e o guitarrista Rômulo Fróes toca em "Elegante, Decadente".

Nunca os arranjos de Skylab surgiram tão sofisticados. Nada parecido com suas antigas incursões punk-experimentais, que ganharam contornos cômicos nas entrevistas na televisão. Uma inclinação da qual Skylab foge como o diabo da cruz. E o mesmo vale para rótulos: escatológico ou terrorista poético, nem em sonho.

"Minha imagem artística está muito ligada à minha participação no Jô. E ele sempre leva as entrevistas para um tom de humor. Então, entendo que o público de um modo geral, aquele que não conhece o meu trabalho, acaba comprando essa imagem do humor, que eu sempre fui contra", afirma. "Mas não fico com raiva dele, de forma nenhuma. Isso foi importantíssimo para divulgar meu trabalho."

No reduto da psicanálise, as letras explícitas de Skylab representariam uma espécie de "ID" da música brasileira, a estrutura responsável pelos instintos e impulsos mais urgentes. Niilista, ele faz rimas com assassinatos, sexo e mutilações --a vida como um roteiro de filme trash. Mas, prestando atenção em sua fala calma e reflexiva, é perceptível que sua figura está mais para um "outsider", alguém que simplesmente está fora dos eixos consensuais, com uma consciência exemplar.

"Fiz questão de lançar meu disco e fazer shows durante a Copa. Sempre fui um pouco crítico em relação a ela. E eu nem falo isso para reforçar o coro do 'não vai ter Copa'. Tenho uma relação profunda com o futebol. Sou Fluminense doente, mas minha bronca hoje não é com Felipão nem com os jogadores. É com parte da mídia, vários jornalistas, que tentaram vender um peixe que a gente sabia que estava estragado."

Para o futuro, o ex-bancário planeja tocar e completar sua trilogia, com "Desterro e Carnaval", previsto para sair em 2015. O próximo álbum terá também participações especiais, ainda mantidas em segredo. "Tenho ouvido muita música brasileira, Itamar Assumpção, Baden Powell, aquele disco dos orixás ['Os Afro-sambas', de 1966]. Já tenho um novo repertório e estou produzindo. Vou continuar divulgando o meu trabalho. Tenho mais de 15 discos, o que é raro para alguém do underground, e não pretendo parar."

“Eu dava pra Rogéria”, encerra o cantor, músico, escritor e entusiasta das travestis Rogério Skylab, um dos mais provocativos e indefiníveis sujeitos dentro da música brasileira, ou fora dela. “sou um sobrevivente. Todavia, me defino como um cadáver dentro da MPB”, afirma paradoxal em texto de caráter biográfico publicado no site oficial. Embora fuja de definições e aplauda “Qualquer tentativa de eliminação do discurso”, Skylab é, sobretudo, um artista conceitual. E se esbalda com perspicácia na hora de teorizar suas incursões. No mais recente trabalho “Melancolia e Carnaval”, segundo da trilogia iniciada com “Abismo e Carnaval”, que já prenuncia os desdobramentos da obsessão por séries, o entrevistado, outra vez, já que não assusta, desta vez surpreende. “Eu sou um tipo de compositor que sempre vai buscar caminhos ainda não explorados. Isto é, inexplorados ainda por mim. Se você der uma examinada no conjunto do meu trabalho, vai chegar a essa conclusão”, garante.

Bem mais lírico e palatável que vários trabalhos da carreira de Skylab, e com a participação da Velha Guarda da Mangueira, Rômulo Fróes e Jards Macalé, o compositor costura e destrincha os caminhos que o levaram até esse disco. “A concepção dessa trilogia dos carnavais é o mergulho no coração da MPB, com uma espécie de linguagem muito própria a esse estilo.

Ao mesmo tempo, eu dou andamento a um trabalho experimental que comecei com ‘Rogerio Skylab e Orquestra Zé Felipe’, e que deve redundar num novo disco. Por outro lado, tem o projeto ‘SKYGIRLS’, ligado ao eletrônico e que bebe na fonte de bandas como ‘Stereolab’. E tem a série dos Skylabs, que é um som com o qual eu fui mais reconhecido em função também dos dez discos lançados dessa série, um deles inclusive ganhou o Prêmio Claro de Música Independente, o SKYLAB V”, demarca. Além das já citadas participações, o álbum também conta com release de peso, escrito por um dos ídolos de Skylab, a lenda Fausto Fawcett.

“Fausto é um grande amigo, ainda que sejamos completamente diferentes no que fazemos. Quando o levei ao programa ‘Matador de Passarinho’, que apresento no Canal Brasil toda segunda-feira à meia-noite, fiz questão de sublinhar o seu caráter solitário no cenário do rock brasileiro, que foi aonde ele apareceu. É curioso que hoje em dia quando ouvimos todas as grandes nacionais que fizeram sucesso naquela década de 1980, nos dá a sensação de envelhecimento precoce, ao contrário do que acontece se ouvimos hoje os primeiros discos de Fawcett: continuam vigorosos. Fiquei muito feliz de ele ter escrito o release. Sou tão solitário quanto ele”, apresenta o entrevistado de maneira a dispensar acréscimos. Da mesma maneira Fausto retribuiu no release, ao dizer: “Depois de estrangular freiras, matar passarinhos, acordar a sua irmã Silvia Maria, ver ratos entrando pelo grande cu do mundo, (…), Rogério Skylab nos desconcerta mais uma vez com ‘Melancolia e Carnaval’”.

Sobre esse desconcerto, essa mudança sempre busca de direção, Skylab arredonda: “Então, quando você me pergunta, baseando-se no ‘Melancolia e Carnaval’, se foi uma rendição ou um enfastiamento, eu te respondo que não foi nem uma coisa nem outra. Foi apenas a busca de um caminho que eu ainda não tinha explorado: um tipo de arranjo, um tipo de gravação, certa maneira de cantar, de compor e de escrever que é muito própria da MPB, apesar de todo leque de variações que esse gênero comporta. Eu diria que é mais um exercício de linguagem, quase uma paródia”, assinala. A presença de alguns gêneros é assim explicada. “Samba é o coração da MPB. Bossa Nova é uma estilização, quase uma variante desse modelo original que é o samba. Jards Macalé, por sua vez é também uma variante do modelo original – não é bossa nova nem tropicália; é uma exacerbação dos sentidos, que bebe muito na fonte de Baden Powell e tem em Wally Salomão o seu grande companheiro”, diz.

Vivente do universo independente desde antes de 1992, quando lançou o seu primeiro vinil, um dos assuntos que mais despertam o interesse de Skylab é o tropicalismo. “Dessa salada de coisas que você tá me perguntando, me interesso mesmo é pelo tropicalismo, assunto do qual venho estudando já faz um bom tempo”, e aproveita para indicar um texto escrito em seu blog “A História Viva do Tropicalismo”, onde também desfia preferências ligadas ao mundo da literatura, dos quadrinhos, da música, das artes plásticas e outras mais, no endereço eletrônico www.godardcity.blogspot.com. “Mas esse é um assunto pra mim palpitante”, retoma a questão anterior. “É a guerra da interpretação, uma guerra que se trava lentamente, porque tudo é narrativa, já dizia Pablo Capilé, o futuro ministro da cultura da presidenta Marina. Ai que dor de barriga”, ironiza. No mais recente disco, inclusive, Skylab estreia parceria com Torquato Neto, morto em 1972, ao musicar um de seus famosos poemas.


“Foi Jards quem me iniciou em Torquato Neto, esse sim um tropicalista. Caetano Veloso chega a chamá-lo de ‘tropicalista ortodoxo’. E foi Macalé quem mais cantou Torquato. O seu suicídio é um enigma simbólico. O meu mergulho na MPB é radical. Por que tudo isso que te falei, samba, bossa nova, tropicália e pós-tropicália, é o fundamento da MPB”, considera. Sobre a importância da arte dramática em seu processo de composição, apesar da evidente presença performática nas apresentações, desdenha: “nenhuma importância”. Ao contrário do que tem a dizer de outros carnavais. “Devoto grande interesse às redes sociais. Todos esses espaços são oportunidades para me manifestar e mostrar minhas preferências. O que posso dizer, de modo geral, é que a interdisciplinaridade é o meu espaço. Nesse sentido faço música, artes plásticas, teatro, literatura, história em quadrinhos”, enumera. “A questão da improvisação na música é o grande tema do meu próximo trabalho”, anuncia.

Rogério Skylab tornou-se nome de alcance nacional a partir de aparições no programa de Jô Soares. Em suas músicas Roberto Carlos, Chico Xavier, Glória Maria, Fátima Bernardes, Maria Bethânia já foram citados, quase sempre com sarcasmo. Ao mesmo tempo Arrigo Barnabé, Jorge Mautner, Walter Franco, Chacal e Arnaldo Antunes, tratados com reverência. Skylab, inclusive, orgulha-se da parceria com Mautner, “Palmeira Brasileira”, do disco “Abismo e Carnaval”, e da presença de Barnabé na canção “Cântico dos Cânticos”, em SKYLAB III. Então explica com sinceridade ausências na música “Eu Quero Saber Quem Matou”. “Maria Alcina eu adoro, entrevistei agora no meu programa. Luís Capucho eu não conheço o trabalho ainda. Carlos Careqa é o seguinte, anos atrás fui ao JAZZMANIA, antiga casa de shows do Rio de Janeiro, assistir ao Arrigo, do qual sou fã de carteirinha, e quem abria era o Careqa. As pessoas riam muito, eu detestei. Essa má impressão a gente carrega o resto da vida”.

Porém, assim como os admirados, embora de forma diversa, Skylab transita em faixa de espaço reduzida do ponto de vista mercadológico, mas ampla quando se trata de liberdade artística. “Depois de tudo que eu já te respondi, posso te dizer muito tranquilamente que eu me identifico mesmo é com a música independente e experimental. Até quando estou traçando a MPB mais careta – meu terceiro disco, completando a trilogia dos carnavais, vai se chamar ‘Desterro e Carnaval’ – ainda assim estou sendo experimental”, aponta. Reconhecido pela série de discos assumidamente inspirada nos modos operandi dos serial killers, o músico faz ressalvas quanto a associações. “Quanto à questão da ‘estética do absurdo’, eu sinceramente não sei o que você quer dizer, e esse tema também é tão vasto. Por exemplo, eu não me interesso pelo realismo fantástico, que foi o boom da literatura latino americana, mas me interesso pelo absurdo de Kafka”, diferencia.

Com capas de disco que versam sobre morte, violência, asco e estranhamento, Skylab dá prosseguimento à resposta. “São duas maneiras de tratar o tema do absurdo que se diferenciam muito. Gosto também do nonsense ligado à linguagem e que passa por Beckett, Joyce e Lewis Carroll. Enfim isso dá pano pra manga”, sublinha utilizando-se do popular ditado transformado em música por Macalé e Xico Chaves. Já sobre outra polêmica, o autor é enfático. “Djavan é muito maior que Lobão e Thunderbird, vamos combinar. Lobão é um bom compositor e acho que seus discos independentes são infinitamente maiores que a sua discografia feita a partir da década de 1980 ligada às majors. Quanto ao Lobão político e escritor, eu não vou perder meu tempo”, esclarece sobre as críticas que os outros dois fizeram a Djavan no programa de entrevistas que Lobão comandava na MTV, e que Rogério rebateu frente a Thunderbird quando este foi o entrevistado de “Matador de Passarinho”.

Mas Skylab também guarda boas recordações da convivência com Lobão, com o qual, além de se apresentar junto, teve a oportunidade de lançar um álbum na revista que o autor de “Me Chama” comandava. “Quanto à ‘Revista Outra Coisa’, pra mim foi muito importante, não tenho nada a reclamar. Inclusive, faturei o prêmio ‘Claro de Música Independente’ com o SKYLAB V que saiu pela revista”, rememora. Já a poesia simbolista, utilizada por Skylab para defender as letras ditas “incompreensíveis” por Lobão e Thunder na polêmica com Djavan, também é comentada com considerações pelo entrevistado. “Quanto à poesia simbolista, eu não sei o que você exatamente quer dizer. Cruz e Souza não teve nenhuma importância pra mim, mas Mallarmé, Rimbaud, Baudelaire, François Villon, tiveram e são a base da poesia moderna”, exalta. Rogério Skylab lançou livro de sonetos em 2006, pela editora Rocco, “Debaixo das Rodas de um Automóvel”, com seu peculiar acento.

Um dos motins que sempre chamaram a atenção e diferenciaram ainda mais a já pouco usual prosódia de Skylab é a abordagem da escatologia na música brasileira. Sobre esse assunto, o intérprete procura distinguir bem os poemas. “Não sei, mas se você fala de escatologia como os Titãs – tem, aliás, uma histórica música deles composta por Nando Reis, salvo engano – se é essa escatologia a que você se refere, estou fora.

De qualquer maneira, a nossa MPB, seja por seu lado xenófobo, seja por sua paródia contida e raramente debochada, capitaneada pelo Sr. Caetano Veloso, sempre me pareceu movida com o freio de mão puxado. Quando você fala, na sua primeira pergunta, de possíveis excessos que eu teria cortado com a minha trilogia dos carnavais, quero entender que você via excessos, quando na verdade era apenas uma tentativa de soltar o freio”, abaliza Skylab que, mais solto que passarinho no mato, não roga contra o cano de caçadores.

“Que isso! Tenho o maior orgulho dessa música por todos os motivos. Não sou ‘Los Hermanos’ que evitava cantar ‘Anna Júlia’. Eu canto sempre ‘Matador de Passarinho’ nos meus shows. E tenho o maior orgulho”, alfineta e compara. E sobre o futuro recorre à saudade e insinua uma possível volta aos cantos das Minas Gerais. “Cara, você fala de BH, eu tenho uma puta saudade do tempo em que fazia shows na ‘OBRA’. Pequenininho, porãozinho… Mas os meus melhores shows se dão nesses redutos. Estou começando a trabalhar no meu próximo disco, o terceiro da trilogia dos carnavais, ao mesmo tempo, trabalhando num outro disco, esse com uma linguagem completamente experimental – aqui a minha grande referência é John Zorn. E, claro, estou divulgando o ‘Melancolia’ e fazendo shows com a minha banda”, alinhava. Skylab rejeita “humor negro”, dispensa o riso, e expõe na internet e na entrevista a insatisfação com o Fluminense. “Me irritam profundamente”, diz sobre a associação América e Natal, time que eliminou sua equipe na Copa do Brasil.

Mas o futebol é cíclico, e Rogério Skylab, com mais de 20 anos de carreira e 18 álbuns, entre autorais e participações, ainda é moço, soa como tal, vigoroso, incansável, disposto a mudar de rumo, a não ser que ele me desminta de novo. “Ih, comecei velho. Sou como o Tom Zé, eu não tenho nenhum dom e isso é bom. Nunca se esqueça que, no meu caso, tudo é exercício. Nada é natural”. Talvez até a retórica.

Nesse ambiente familiar pouco inspirador, o primeiro livro que leu foi uma tradução de Monteiro Lobato paraRobin Hood, presenteada por uma tia quando ele tinha entre 9 e 10 anos. “Lia todo dia. No último dia, no último capítulo, chorei, pressentindo o fim”, lembra. Ainda assim, o contato com a literatura só foi retomado na adolescência, quando sua irmã mais velha, então recém-aprovada no vestibular para o curso de Letras, apareceu em casa com livros de Machado de Assis e João Cabral de Melo Neto (“Que eu achei chatíssimos, horríveis”).

O ponto de virada aconteceu pouco depois, quando Skylab passou no concurso para estudar no Aplicação, considerado um melhores dos colégios do Rio de Janeiro. Ali, ele se apaixonou por uma professora de português, filha do famoso gramático Celso Cunha. Para impressioná-la, e passar de ano sem maiores problemas, levou de casa um texto pronto para usar na prova final de redação, que deveria ser feita em sala de aula. “Foi nessa ocasião que eu agi de má fé pela primeira vez. Aliás, o Sartre dizia que todo escritor age de má fé, pois nunca é absolutamente sincero”, afirma.

Cola à parte, o fato é que a professora ficou tão encantada com a produção do aluno que o presentou, no Natal, com um livro de Clarice Lispector: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. “Eu já gostava do Drummond e escrevia alguns poemas. Mas foi a partir da leitura da Clarice que eu mergulhei definitivamente na literatura”, revela.

Corta para a vida adulta. Matriculado no curso de Direito, Skylab ignorava a bibliografia recomendada pelos professores e se aprofundava em livros de filosofia. Até ser aprovado num concurso para o Banco do Brasil, trancar a faculdade e iniciar a carreira de bancário numa agência de Maracaju, no interior do Mato Grosso do Sul. “Era como seu estivesse servindo o Exército naquele fim de mundo com uma única rua asfaltada. O único livro que consegui comprar, pelo correio, foi sobre socratismo cristão.”

Depois de dois anos dividido entre a agência, a quadra de futebol de salão e o bar de Maracaju, o artista foi transferido para o Rio de Janeiro. Abandonou o Direito, ingressou em Letras e finalmente entrou em contato com o universo literário. Mas o autodidatismo falou mais alto. “Isso me persegue até hoje. Não consegui ficar refém dos professores e resolvi largar Letras também. Meu processo de leitura, como diz o Borges, é labiríntico. Preciso descobrir os meus próprios caminhos”, justifica.

Nessa época, Skylab iniciou um hábito que mantém até hoje: o de estudar em bibliotecas. “Vou morrer com isso. É uma coisa neurótica, autoimposta. Às vezes, passo seis horas por dia lendo numa biblioteca. Comecei na Biblioteca Nacional, migrei para a do Centro Cultural do Banco do Brasil e agora estou na da PUC”, conta.

Enquanto isso, ele já militava no underground musical carioca, fazendo shows no esquema de voz e violão. Ao completar dez anos de banco, no início da década de 1990, usou a licença prêmio para produzir seu primeiro álbum, Fora da Grei. “Enquanto meus colegas de trabalho iam para Miami fazer compras, eu me tranquei no estúdio e gravei um disco.”

Ter um emprego “comum” foi fundamental para sua carreira artística. Graças à estabilidade profissional, Skylab conseguiu produzir música sem precisar se envolver com guetos de artistas que, segundo ele, priorizam laços afetivos e misturam amizade com trabalho. Hoje, aposentado do Banco do Brasil, dedica-se em tempo integral à criação. E idolatra Machado de Assis e João Cabral de Melo Neto. “Machado virou a minha bíblia, o meu Deus. Quanto ao João Cabral, acho que é o maior poeta brasileiro de todos os tempos.”

Questionado sobre a literatura brasileira contemporânea, o músico cita Rubens Figueiredo, Milton Hatoum e Cristovão Tezza como os seus autores preferidos — exceções, de acordo com ele, num cenário tomado pela influência de escritores beat e pop. “As experiências que eu tenho com autores mais jovens não são muito boas. Principalmente a partir dos anos 1990, essa corrente que não diferencia a literatura da vida, virou uma praga no Brasil. A escrita como um sopro, como um fluxo de consciência, deve ser apenas um elemento da produção literária. Não pode ser tudo.”

Skylab só alivia a barra do paulista Marcelo Mirisola. Para ele, o autor de Joana a Contragosto e Proibidão, entre outros, passa uma falsa impressão de que se limita a narrar a própria vida — mas, na verdade, forja um universo bastante particular. “Isso é uma coisa muito sutil e discreta no trabalho dele, que deveria ser lido com mais atenção.”

Com um único livro de poesia publicado, Debaixo das rodas de um automóvel, o artista acredita que tem material suficiente para, pelo menos, outros quatro volumes. Sua produção, que também inclui contos, resenhas e ensaios, está disponível no blog godardcity.blogspot.com, frequentemente atualizado. Nada mal para quem se formou intelectualmente aos trancos e barrancos, como ele mesmo diz. “Nunca fui precoce em nada e não acredito em filhinho de músico, filhinho de escritor. Valorizo muito mais as condições adversas”, afirma.

VITRINES DE DOMINGO

Moro entre coisas extremas
num quarto de pensão impossível.
Ontem cedo matei dois ratos.
Aí está minha metafísica.

Sou um poeta errado.
Consumi muito de minha vida
deitado na cama e me masturbando.
Escrevo só para fazer de conta que vivi.

Olho pela janela do quarto
as vitrines fechadas da cidade.
Amanhã estarão repleta de luzes,

mas hoje adormecem como se ninguém as visse.
E mostram-se taciturnas, absurdas,
essas vitrines de domingo que eu olho tanto.


FERIADO NACIONAL

Eis mais um feriado.
O comércio fechou as portas,
as escolas interromperam as aulas,
e os pequeno-burgueses foram a suas casas de veraneio.

Aqui fiquei eu.
Cara a cara com o feriado.
Sem vitrines coloridas
e sem a rotina de mais um dia de trabalho.

Inapelavelmente nu e só.
Não pude ir à biblioteca
porque estava fechada.

Não pude ouvir buzina
e nem cheirar fumaça de óleo diesel.
Olhei para mim e achei horrível.


UMA DIVINDADE

Saio pelas ruas exalando charme.
Muitas pessoas me olham.
Faço de conta que não as vejo.
Desprezo todos os Homens.

Estou usando uma camisa Yes Brasil,
óculos Ray-Ban e mochila da Company.
Brilho no sol da manhã.
Tornei-me uma divindade.

Fui para o Rio Sul.
Olhei as vitrines, as vendedoras,
e subi, desci várias vezes.

Cheguei a sorrir pra uma passante
— mas isso foi uma extravagância.
Pudesse perpetuar esse instante.


RIO SUL

Caminho pelo Rio Sul.
Essas são as minha trilhas.
Não passo por paisagens bucólicas
nem ando mais entre multidões na rua.

Estaciono o carro na garagem.
Desço as escadas rolantes.
Vou comprar um videocacete.
Por que não Por que não?

Estou hoje sem pensamento.
Tenho estado sempre assim.
Agora passa uma jovem.

Olhamo-nos sem nenhum calor.
Somos puros fantasmas.
Nada mais nos atinge.


CAFÉ DA MANHÃ

Esperávamos tanto um do outro.
Imaginávamos até uma chuva eterna..
Dessa vez tudo há de ser diferente
— foi o que tacitamente nos dissemos.

Cheguei a balbuciar algumas palavras
— todas elas dispensáveis —
na vã esperança de fixar
o volátil e o sem nome.

Terminado o gozo, porém,
viramos cada um pro lado
e dormimos o sono dos justos.

De manhã, acordamos com os passarinhos,
não trocamos uma palavra,
tomamos café e nunca mais nos vimos.

DISCOGRAFIA

1992 – Fora da Grei
1999 – SKYLAB
2000 – SKYLAB II (Ao Vivo)
2002 – SKYLAB III
2002 – Tributo ao Inédito (participação)
2003 – SKYLAB IV
2005 – SKYLAB V
2006 – SKYLAB VI
2007 – SKYLAB VII
2008 – SKYLAB VIII
2008 – Tributo ao Álbum Branco (participação)
2009 – SKYLAB IX (Ao Vivo e em DVD)
2009 – Rogério Skylab em Skygirls
2009 – Rogério Skylab & Orquestra Zé Felipe
2010 – The Best of Rogério Skylab (coletânea)
2011 – SKYLAB X
2012 – Abismo e Carnaval
2014 – Melancolia e Carnaval
































BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.

terça-feira, 16 de junho de 2015

A intolerância religiosa - desafio de um país democrático e laico (Por Thiago Muniz)

Intolerância religiosa leva menina a ser apedrejada na cabeça.

O ódio e a intolerância contra religiões afro-brasileiras fizeram mais uma vítima no Rio: uma menina de 11 anos, que levou uma pedrada na cabeça. O caso ocorreu no domingo à noite, na Avenida Meriti, na Vila da Penha, Zona Norte da cidade. Por volta das 18h30, após uma festa em um barracão, um grupo de oito religiosos, vestidos com trajes brancos do Candomblé, caminhava de volta para casa. Na altura do número 3.318, dois homens em um ponto de ônibus do outro lado da via começaram a insultá-los.

- Quando viram várias pessoas vestidas de branco, começaram a insultar, gritando que a gente ia “queimar no inferno” por ser “macumbeiro” - lembra a avó, uma pesquisadora de 53 anos.

Até que, em determinado momento, um dos homens jogou uma pedra na direção ao grupo, que bateu num poste e atingiu a neta da pesquisadora, de 11 anos. 

De acordo com a avó, após a agressão e mais alguns insultos os suspeitos fugiram embarcando num ônibus.

- Ficamos todos muito nervosos, a gente não sabia o que tinha acontecido, só escutamos o estrondo. Minha neta sangrou muito, chegou a desmaiar. Não reagimos em nenhum momento, a prioridade era socorrer - lembra a avó.

O grupo retornou para o barracão, situado em Cordovil, a cerca de dez minutos do local do crime. Depois de limparem a menina, que estava com muito sangue pelo corpo, a levaram até o Posto de Assistência Médica (PAM) de Irajá, onde os médicos fizeram um curativo no ferimento. Segundo a avó, ela só não levou pontos porque estava com o ferimento muito inchado.

- Nunca tinha passado por uma situação dessa. Eu me senti impotente, não podia fazer nada. Ninguém estava prejudicando ninguém, me questiono por que fizeram isso. Acho que, independentemente do que a pessoa pratica ou no que acredita, em qualquer religião, a prioridade é tratar o ser humano como um irmão - desabafa ela, adepta do Candomblé há 33 anos, destacando que a neta está traumatizada e que iniciará um tratamento psicológico por causa do trauma.

No Facebook, a pesquisadora iniciou uma campanha contra a intolerância religiosa publicando fotos de candomblecistas segurando um cartaz com a frase “Eu visto branco, branco da paz, sou do Candomblé, e você?”. Nesta segunda-feira, a pesquisadora foi até a 38ª DP (Brás de Pina) registrar queixa. O crime foi registrado como intolerância religiosa e lesão corporal. Nesta quarta-feira, sua neta fará exame de de corpo delito.

O tratamento legal contra a intolerância religiosa ainda está comparável às ações contra o assédio moral e o assédio sexual no meio corporativo, quando as ações só eram permitidas quando houvesse provas objetivas e testemunhais da ocorrência de tais assédios.

Hoje, com relação aos assédios, há entendimentos e jurisprudência no tratamento de situações que, anteriormente vistas como subjetivas, hoje são evidências consideráveis bastante objetivas. Exemplo: O assédio moral só era considerado quando praticado pelo chefe imediato, que agia com truculência e excessiva agressividade com o (a) subordinado (a), e ainda contava com algumas testemunhas. Hoje, é sabido que o assédio moral é praticado com "sutilezas", até mais cruéis que os ataques anteriormente feitos às claras. Com relação ao assédio sexual, da mesma forma. O que antes era qualificado apenas quando ocorria uma "cantada" explícita e grosseira do chefe para com a secretária, hoje, as "sutilezas" são matérias de lides trabalhistas, por exemplo, quando a questão são as vestimentas sensuais e impróprias da "chefa" no ambiente de trabalho e o constrangimento dos subalternos. (Há outros locais mais apropriados para tanto exibicionismo).

O mesmo raciocínio se deve considerar em relação á intolerância religiosa. As sutilezas não estão sendo consideradas. Alguém já conceituou com propriedade: "A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças e práticas religiosas ou mesmo a quem não segue uma religião. É um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana."

Diante deste conceito amplo, poderemos, portanto, resumir como liberdade religiosa:

1) O direito de ter uma religião e crer num ser divino;

2) O direito de não ter uma religião e não crer em um ser divino;

3) O direito à neutralidade religiosa em espaços de uso comum (públicos).

Vivemos num País rico em manifestações e crenças religiosas, e muitos que, por opção, não professam nenhuma. Exemplificando: - A minha religião é A, a sua religião é B e o nosso colega do lado não tem nenhuma religião.

Entretanto, este gigante País, de dimensões continentais, Constitucionalmente Laico desde a primeira Constituição da República, ainda permite e tolera que o 3º direito (interpretado à luz do conceito de intolerância religiosa) apontado acima não seja respeitado, pois, apesar de estarmos no século XXI, vivemos ainda sob a égide do Art.5º da Constituição brasileira de 1824.

No Brasil, a Constituição outorgada de 1824 estabelecia a religião católica como sendo a religião oficial do Império, que perdurou até o início de 1890, com a chegada da República. Em seu Art. 5º lia-se: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. 

Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

Conforme De Plácido e Silva: "LAICO. Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de secular, em oposição do de bispo, ou religioso." (SILVA, 1997, p. 45).

O termo laico remete-nos, obrigatoriamente, à ideia de neutralidade, indiferença. É também o que se compreende nos ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos, onde "A liberdade de organização religiosa tem uma dimensão muito importante no seu relacionamento com o Estado. Três modelos são possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocadamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado.

O Estado brasileiro tornou-se desde então laico. (...) Isto significa que ele se mantém indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se (...)". (BASTOS, 1996, p. 178).

A atual Constituição não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19, I o seguinte:

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Portanto, qualquer discurso contra a intolerância religiosa que não tratar da importância da neutralidade religiosa em nosso País, é hipocrisia, pois, tanto a liberdade de opinião e a inviolabilidade de consciência são asseguradas por nossa Constituição. O Estado, laico como é, não deve estabelecer preferências ou se manifestar por meio de seus órgãos.

Como bem afirma Dr. Roberto Arriada Lorea "(...) O Brasil é um país laico e a liberdade de crença da minoria, que não se vê representada por qualquer símbolo religioso, deve ser igualmente respeitada pelo Estado". (LOREA, O poder judiciário é laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 2005. Tendências/Debates, p.03).

Portanto, ante a bandeira contra a intolerância religiosa, é impossível aceitar que seja lícito que prédios públicos ostentem quaisquer símbolos religiosos, por contrariar o princípio da inviolabilidade de crença religiosa.

O Estado deve respeito ao ateísmo e quaisquer outras formas de crença religiosa.

O predomínio do Catolicismo no Brasil não justifica tais símbolos e não "recria" uma "religião oficial", resgatando o art. 5º da Constituição do Brasil Império.

Evito, neste momento de entrar no mérito de qualquer das outras religiões praticadas em nosso País. Não advogo aqui qual ou quais religiões o crucifixo representa. Entretanto, se tais símbolos ofendem a liberdade de crença ou descrença de uma única pessoa, já se torna matéria suficiente para justificar a retirada destes objetos religiosos dos prédios públicos ou até mesmo de empresas privadas, considerando que seus frequentadores, empregados, usuários, clientes, fornecedores, etc., não comungam da mesma crença ou descrença. E tão pouco é lícito ao Estado, ou qualquer um de seus poderes, autarquias ou assemelhados, usar erário público para patrocinar esta ou aquela festa ou manifestação religiosa, por estar estabelecendo preferências.



Vivemos num País democrático e gigante por natureza, mas, ainda imaturo no exercício da verdadeira liberdade religiosa. Nossa pátria mãe gentil, ainda convive com a intolerância religiosa sutil.

“A sua riqueza vem lá do passado, de lá do congado, eu tenho certeza”, a música do baiano Edil Pacheco, eternizada na voz de Clara Nunes, celebra a riqueza da cultura africana que foi construída no Brasil. Os cantos, os toques, a comida, danças e influências da negritude que pairam nessa terra guardam uma riqueza cultural imensurável. Historicamente, a construção da nossa identidade fez com que o Brasil se tornasse um país negro em cor, forma e conteúdo. Mesmo que essa negritude tenha sido renegada ao longo dos anos, a resistência fez com que nos tornássemos o maior país negro fora do continente africano.

O antropólogo Darcy Ribeiro afirma em sua obra O Povo Brasileiro que a população negra foi a força substancial da construção do Brasil. Segundo ele, a presença dos povos africanos fez quase tudo que aqui se fez e construiu o que hoje conhecemos como nosso país. Atitudes noticiadas recentemente mostram a falta de conhecimento da população sobre sua própria origem e, mais do que isso, o desrespeito por culturas diferentes. “Eu acredito que para a sociedade respeitar as diferenças é preciso dar a oportunidade de conhecer julgamentos. Ignorante é aquele que não se permite conhecer”, destaca Cerqueira.

“O que aconteceu essa semana foi um movimento histórico digno de ser noticiado pelos mais importantes canais de comunicação do Brasil. Pela primeira vez as comunidades de terreiros, de todos os estados do país, se mobilizaram e denunciaram os ataques e abusos motivados pela intolerância religiosa, no Ministério Público. A falta de atenção da grande mídia para nossa causa demonstra o quão fundamentalista e preconceituosa é a nossa comunicação, que enxerga os terreiros somente como exoterismo para previsões e matérias tendenciosas, mas nunca noticiam as importantes lutas que protagonizamos pela tão sonhada liberdade de culto e expressão da fé”, diz Roger Cipó, fotógrafo e candomblecista.




BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Rosinha de Valença: a lenda e seu violão soberano (Por Thiago Muniz)

Ela é considerada uma das matrizes instrumentistas da Bossa Nova.

Maria Rosa Canellas, conhecida por Rosinha de Valença, (Valença, 30 de julho de 1941 - 10 de junho de 2004) foi uma violonista, cantora e compositora brasileira. O nome artístico lhe teria sido dado por Sérgio Porto, que dizia que ela tocava por uma cidade inteira.

Violonista concertista, cantora, e compositora nascida em Valença, no interior do Estado do Rio de Janeiro, Rosinha de Valença foi um dos mais importantes nomes femininos da música popular brasileira e considerada uma das matrizes instrumentais da bossa nova.

Ainda criança começou a se interessar pelo violão, assistindo aos ensaios do conjunto regional de seu irmão, Roberto. Incentivada por esse irmão, começou a estudar violão sozinha, ouvindo músicas de rádio e, aos 12 anos, com técnica impressionante, já tocava na rádio da cidade e animava festas e bailes da região. Deixou os estudos para dedicar-se inteiramente à música e, em 1963, mudou-se para o Rio.

Sobrinha do músico Fio da Mulata, recebeu do tio as primeiras noções de violão, desenvolvendo, em seguida, sua própria técnica. Aos 12 anos de idade, já acompanhava cantores na Rádio de Valença e se apresentava, com um grupo regional, em bailes da sua cidade. Em 1960, abandonou os estudos para dedicar-se exclusivamente à música.

Descoberta pelo jornalista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que a apresentou a Baden Powell e Aloysio de Oliveira, na boate Au Bon Gourmet. De Sérgio, ganhou o nome artístico de Rosinha de Valença. Na descrição entusiasmada do jornalista, Rosinha tocava por uma cidade inteira.

Passou a tocar na boîte Bottle's, onde ficou por oito meses, e gravou seu primeiro disco, Apresentando Rosinha de Valença (1963), pela gravadora Elenco, pertencente a Aloysio. Destacou-se como excelente instrumentista, apresentando-se em programas de televisão como O Fino da Bossa, ao lado de Baden Powell, mestre de seu estilo no instrumento. Sua atuação com Baden foi fundamental para o rumo instrumental que a bossa nova veio a desenvolver.

Viajou (1964), excursionou pelos Estados Unidos com Sérgio Mendes e seu grupo "Brasil 65" e mais Chico Batera, Jorge Ben, Wanda Sá e Tião Neto. O grupo gravou dois discos. Seguiu depois para a Europa como solista de um grupo formado pelo Itamaraty, para divulgar a música popular brasileira no exterior, apresentando-se em 24 países europeus. Rosinha passou também uma temporada em Paris, com uma bolsa de estudos da Embaixada da França. Em 1967, foi a violonista do show Comigo me desavim, de Maria Bethânia.

Depois de sucessivas viagens e apresentações na URSS, Israel, Suíça, Itália, Portugal e países africanos, voltou ao Brasil em 1970 e engajou-se em movimentos de valorização da música instrumental do Brasil.

A artista retornou ao Brasil em 1971 e passou a produzir discos de Martinho da Vila, participando de seus quatro LPs. Também produziu discos, dos quais participou igualmente como instrumentista, Nara Leão, Maria Bethânia e Miúcha, entre outros, e trabalhou com grandes nomes da música internacional, como o saxofonista Stan Getz e a cantora Sarah Vaughn. Depois voltou para a França.

De volta ao Brasil em 1974, organizou uma banda que teve várias formações e contou com a participação de artistas como o pianista João Donato, o flautista Copinha e as cantoras Ivone Lara e Miúcha. Por sua atuação, ganhou um prêmio da Ordem dos Músicos do Brasil. Nos anos seguintes apresentou-se em diversos shows, ao lado de sua banda ou sozinha e acompanhando outros artistas. Gravou mais de uma dezena de LPs, editados no Brasil, EUA, Alemanha e França, por várias gravadoras, entre as quais RCA, Odeon, Forma, Pacific Jazz e Barclay.

Um dos momentos marcantes de suas gravações foi Violões em Dois Estilos, gravado com Waltel Branco, pela Som Livre (1980), com repertório bastante eclético, com faixas como "Porto das Flores" (de sua autoria), "Asa Branca" (de Luís Gonzaga e Humberto Teixeira), "Morena do mar" (de Dorival Caymmi), "Ponteio" (W. Blanco), "Minueto e Prelúdio nº 13" (J. S. Bach).

Quando sofreu a parada cardíaca (1992) que lhe causou uma lesão cerebral e a deixou em coma, ela estava de férias no Brasil. Desde então, Rosinha permaneceu em estado vegetativo e foi levada de volta para Valença. Dois anos após entrar em coma, um grupo de artistas realizou um show beneficente no Canecão para ajudar a custear suas despesas médicas.

Desde então, diversos shows-tributo foram organizados por amigos e familiares para ajudar a custear o tratamento da violonista. Os primeiros oito anos em que permaneceu em coma passou-os na casa da irmã mais velha, Mariló e, após o falecimento desta, ficou aos cuidados de outra irmã, Maria das Graças, em um bairro humilde de Valença, na companhia de alguns parentes, como seu tio Finzinho e seu primo Marcos Aurélio, militar e também músico. Após 12 anos em coma, uma das mais destacadas instrumentistas da Bossa Nova foi internada no Hospital Escola Luiz Giosef Jannuzzi, onde veio a falecer no dia seguinte, em junho (2004), aos 62 anos, de insuficiência respiratória, em sua cidade natal, Valença, no sul do Estado do Rio de Janeiro. Seu corpo foi enterrado no cemitério Riachuelo, no centro de Valença.

Rosinha de Valença ficou doze anos em estado de coma. Ela vivia em estado vegetativo desde 1992, quando uma parada cardíaca provocou uma lesão permanente no cérebro da violonista. Dois anos após entrar em coma, um grupo de artistas realizou um show beneficente no Canecão para ajudar a custear as despesas médicas da violonista. Foi uma das várias apresentações realizadas para ajudar e manter a memória da artista. Os primeiros oito anos do coma Rosinha passou na casa da irmã mais velha, Mariló, que veio a falecer. Depois disso, a violonista passou a morar com a irmã mais nova, Maria das Graças, em um bairro humilde de Valença.

Em 2000, foi homenageada com o show beneficente "Uma noite para Rosinha", realizado no Canecão (RJ). O espetáculo foi organizado por Jalusa Barcellos, da Secretaria Estadual de Cultura e apresentado por Sérgio Cabral. Contou com a direção geral de Haroldo Costa e a direção musical de Jorge Simas, e com a participação de Beth Carvalho, Célia Vaz, Claudette Soares, Toque de Prima, Dona Ivone Lara, Elton Medeiros, Francis Hime, Olívia Hime, João Nogueira, Joanna, Joyce, Leci Brandão, Marisa Gata Mansa, Miúcha, MPB-4, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro, Quarteto em Cy, Valéria Venturini, Zezé Motta, Clarisse, Cristóvão Bastos, Carlos Malta, Luciana Rabello e Carlinhos 7 Cordas, entre outros.

Em 2002, durante entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a irmã da instrumentista contou que sofria muito em vê-la imobilizada, movendo apenas os olhos. Mas, ainda que a Justiça permitisse, descartou a possibilidade de eutanásia.

Afinal, numa quinta-feira, 10 de junho de 2004, a violonista morre, por insuficiência respiratória, aos 62 anos, em sua cidade natal. Na noite de quarta-feira, fora internada no Hospital Escola Luiz Giosef Jannuzzi, onde faleceu na primeira hora do dia seguinte. Nesse ano, foi lançado o CD "Namorando a Rosa", co-produzido por Maria Bethânia e Miúcha, com a participação de Martinho da Vila, Célia Vaz, Done Ivone Lara, Caetano Veloso, Chico Buarque, Joanna, Bebel Gilberto, Hermeto Pascoal, Turíbio Santos e Yamandú Costa. Abrindo o disco, a única faixa que conta com o violão da própria artista homenageada, "Pedacinhos do céu" (Waldir Azevedo), extraída do disco "Cheiro de mato" (1976). Constam também do repertório as canções "Prelúdio de Rosa" (Turíbio Santos), "Rosinha essa menina" (Paulinho da Viola) e "Mais uma rosa" (Hermeto Pascoal", além de composições da própria violonista, como "Os grilos são astros", "Usina de prata", "Madrinha lua", "Pro amor de Amsterdã" (c/ Martinho da Vila), "Meus zelos", "A pescaria".



Discografia

1963: Apresentando Rosinha de Valença • Elenco • LP
1965: Brasil' 65-Wanda de Sah featuring The Sergio Mendes Trio • Capitol • LP
1965: In person at El Matador. Sergio Mendes & Brasil' 65 • Atlantic/Fermata
1966: Rosinha de Valença ao vivo • Forma • LP
1970: Rosinha de Valença apresenta Ipanema beat • RCA Victor • LP
1971: Um violão em primeiro plano • RCA Victor • LP
1973: Rosinha de Valença • Som Livre • LP
1975: Rosinha de Valença e banda ao vivo • Odeon • LP
1975: Rosinha de Valença e banda ao vivo • Odeon • LP
1976: Cheiro de mato • EMI-Odeon • LP
1977: Sivuca e Rosinha de Valença ao vivo • RCA Pure Gold • LP
1980: Violões em dois estilos. Rosinha de Valença e Waltel Blanco • Som Livre • LP
2004: Namorando a Rosa • Quitanda/Biscoito Fino • CD























Teatro Rosinha, em Valença, RJ, segue abandonado há 13 anos

Reforma do local chegou a ser iniciada, mas não evoluiu. Moradores reclamam do abandono da área.

Fechado há 13 anos para uma reforma, o prédio que abriga o Teatro Municipal Rosinha de Valença, em Valença, RJ, está em ruínas. O local, que foi batizado em homenagem a uma cantora da MPB nascida na cidade, possui buracos, infiltrações e cadeiras quebradas, além da sujeira por toda a parte. "Nisso aí foi investido dinheiro nosso. Meu, da população de Valença. E dá tristeza... É uma homenagem a uma grande artista valenciana", lamentou o professor Pedro Soares Ribas.

O teatro foi fundado em 1987 e já recebeu grandes espetáculos. Como sinal de uma reforma que chegou a ser iniciada, as grades que protegiam a área do prédio foram retiradas, mas a obra não evoluiu. Na área onde seria feita uma ampliação, no mesmo terreno, a estrutura de ferro instalada foi invadida pelo mato e tem sinais de ferrugem. O abandono preocupa moradores. "Essa área tem muita cobra também. Tem gente que fica entrando ali, tem morador de rua também. Fica essa sujeira, lixo ", reclamou o universitário Douglas Vilela Trindade.

Com a dificuldade do município em conseguir recursos, a reforma do teatro passou a ser responsabilidade do governo estadual. "O projeto já está concluído, porém, a gente está aguardando aí o Estado, retomar o posicionamento com relação à licitação, ele tá em fase de finalização. Eu acredito que eles fazendo isso, a gente iniciará a obra imediatamente", explicou o secretário de Obras de Valença, Paulo César Pereira de Souza.



BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.

Maria Madalena: oculta por trás de Jesus Cristo (Por Thiago Muniz)

Não há personagem histórico que tenha sofrido tanto o peso das projeções moralistas da sociedade patriarcal do que Maria Madalena. Vista como pecadora e prostituta, ela passou a representar a sombra do feminino, seu lado negativo, em oposição à luz da Virgem Maria, pura e sem pecado original.
Esta sombra afetou profundamente o psiquismo da mulher, provocando uma cisão em sua sexualidade e causando toda sorte de repressão e culpa.

Foram milênios de preconceitos transformados em acusações, maledicência, perseguição, violência, disfarçados em religião.

Há alguns anos vem sendo feitos estudos e pesquisas para resgatar a verdadeira história de Madalena, e nesse trabalho está sendo resgatado também o inconsciente do cristianismo, fragmentos de uma memória recalcada pelos primeiros patriarcas da Igreja. Na verdade, desde a noção de ‘pecado’, o que tenta se exorcizar é o sexo, em oposição ao espírito. E Madalena era uma mulher apaixonada, que se entregava inteira em tudo que fazia.

Segundo os evangelhos, sua devoção incondicional a Jesus despertou ciúmes e inveja entre os discípulos. Sua capacidade de mergulhar naquele estado que hoje conhecemos como ‘expansão da consciência’, permitiu que ela visse Jesus ressuscitado. Sua amorosidade fez com que ela se tornasse a discípula dileta, a companheira, filha e mãe de Jesus. Foi ela quem levou a notícia aos apóstolos de que Jesus estava vivo, após sua morte na cruz. E eles duvidaram... será que podemos confiar numa mulher?

Segundo os evangelhos, Jesus teria livrado a mulher ‘pecadora’ dos seus sete demônios. A partir daí ela se tornou sua fiel seguidora. Relatos históricos contam também que Ele teria desafiado os homens que queriam apedrejar a mulher adúltera, dizendo: ... que atire a primeira pedra quem nunca pecou...

Tantos ensinamentos cristãos sobre o amor incondicional e sobre o perdão não conseguiram aplacar o preconceito, o medo, o ‘horror feminae ‘dos homens -- esse medo irracional contra o feminino, contra tudo que lembra as antigas tradições pagãs da humanidade. A identificação da mulher com o mal corresponde à psicologia do “bode expiatório”, ou seja: o mal está fora de mim, portanto, eu sou bom.
E os primeiros padres da Igreja acharam por bem excluir das escrituras sagradas o registro da vida de uma mulher que manifestava uma sensualidade sem pudores e, ao mesmo tempo, uma espiritualidade à flor da pele. Não sabiam que esse é o jeito feminino de vivenciar a dimensão espiritual, corpo e alma juntos. O êxtase místico dá testemunho disso. Mas, o masculino (em ambos os sexos) tem dificuldade em conciliar os opostos, viver a dimensão material junto com a espiritual, integrar corpo, mente e coração.

O fato é que, quando os quatro evangelhos foram selecionados (entre centenas de outros escritos), por volta do ano 200 d.C. foi que surgiu a distinção entre evangelhos oficiais canônicos e os ‘apócrifos’, aqueles que não foram considerados em concordância com os cânones do cristianismo nascente. Certamente a ótica patriarcal prevaleceu nessa seleção, porque neles quase nada se fala sobre as mulheres que viveram nessas primeiras comunidades cristãs, e junto com seus companheiros foram igualmente perseguidas e torturadas pelos romanos.

Embora muitos tenham pressentido que havia um erro de julgamento nas afirmações das Escrituras sobre Madalena, isso só veio à tona recentemente. Desde o ano de 1896 encontra-se, no museu Nacional de Berlim, um texto escrito em 150 d.C., que teria sido encontrado no século IV, num antiquário da cidade de Achmin, no Egito. Esse texto, escrito na língua coopta e grega, narra episódios da vida de Jesus contados por uma mulher de nome Maria de Mágdala. Foi traduzido como O Evangelho de Maria Madalena e, tal como os outros quatro evangelhos da Igreja Católica, faz parte dos textos fundadores do cristianismo.

O teólogo francês Jean-Yves Leloup vê o surgimento desse texto, considerado ‘apócrifo’ pela Igreja, como a emergência da parte recalcada do cristianismo, aquela que foi negada, escondida, ocultada ao longo dos tempos. E que, ao ser resgatado, mostrou-se como um caminho mais humanizado e, sobretudo, feminino, de reconexão com o divino. Talvez porque Maria Madalena tenha sido uma pessoa que desejou ardentemente, com todos os seus sentidos, o homem e a Deus. Acima de tudo, ela demonstrou ser plenamente humana em sua inteireza, integrando dentro de si o poder viril de uma vontade forte e, ao mesmo tempo, um anseio feminino intenso pela transcendência. E aqui temos de concordar com Jung, que vê nesse arquétipo encarnado por Maria Madalena, um modelo psíquico do feminino, que pode nos inspirar a todos, homens e mulheres, no resgate de nossa inteireza humana.

O medo e a ignorância promoveram, no interior de homens e mulheres, a separação, do masculino e feminino, bem e mal, virtude e pecado, luz e sombra, sexo e espírito – e assim fragmentada, nossa humanidade adoeceu. Hoje, essa mesma humanidade dilacerada grita a dor deste esfacelamento. 

Como disse Roberto Crema,“ nós precisamos reconstruir o templo da inteireza dentro de nós”, para restaurar a saúde humana, individual e coletiva. Isto significa reconciliar os apelos de um erotismo sutil que emerge de nossa sexualidade, com a fome insaciável de nossa alma.

Penso que os sete demônios, dos quais fala a Bíblia, seriam esse caminho da energia/libido, desde o nível sexual até sua manifestação nos planos mais sutis. Temos sete chakras, ou centros de energia, cada um com seus desejos e apegos respectivos, que muitas vezes nos dominam e nos tornam seus escravos. Nesses momentos somos possuídos por eles, eis nossos sete demônios! Só quando a consciência os domina é que eles são transcendidos e se tornam nossos servos fieis.

Maria Madalena não é apenas um personagem do passado, meio mítica, meio histórica. Sua figura está presente mais que nunca, nesse novo milênio, quando mulheres em todo o mundo buscam uma representação do divino feminino para orientar sua sexualidade. Das brumas do tempo ela ressurge, envolta em seu manto vermelho, atiçando o arquétipo esquecido de nossa inteireza como mulheres.

Mito ou verdade: por que Maria Madalena ficou conhecida como prostituta?

Muita gente cresceu ouvindo que Maria Madalena foi uma prostituta que encontrou Jesus Cristo e, arrependida de seus pecados, pediu perdão e passou a segui-lo de forma fiel. No entanto, será que a parte em que diz que ela era uma “profissional do sexo” da época é verdadeira?

Bem, de acordo com inúmeras pesquisas e descobertas feitas para resgatar a verdadeira história, o fato de que Maria Madalena era uma pecadora e prostituta é falso, tanto que não existe nenhum registro nos evangelhos que dê a entender que isso era verdade.

Tudo indica que esse título para ela tenha sido uma invenção cuidadosa da igreja, que escolheu certos evangelhos para seguir e outros para ignorar. Dessa forma, a instituição combinou histórias e teceu informações que enterraram a verdade de uma das personagens femininas mais fortes da literatura antiga.

A bíblica Maria Madalena não só não era uma prostituta como era reverenciada como um apóstolo de Jesus. Tanto que essa revelação teria forçado a igreja a mudar seu pensamento de forma dramática.

Tudo porque a instituição ecumênica queria mostrar Maria Madalena como uma grave pecadora arrependida ou um exemplo de mulher redimida pela fé. E isso foi feito por um motivo.

Em outras teorias, Madalena teria sido esposa de Jesus e mãe de seus filhos. Ainda em outros estudos, ela seria um dos mais importantes apóstolos, uma pregadora e uma santa.

São muitas as hipóteses, mas o que se sabe com absoluta certeza é que ela não era uma prostituta, pois não há nenhuma menção real da prostituição em relação à Maria Madalena em quaisquer versículos da Bíblia.

É verdade sim que ela se considerava uma pecadora nos relatos da Bíblia, mas poderia ser referência a uma série de outras coisas. Seus pecados são mencionados, brevemente, na parte que conta que, antes de sua devoção a Cristo, ele a teria livrado de sete demônios. Porém, isso é muito vago e pode ser interpretado de várias maneiras.

Ela pode também ter recebido essa “má reputação” por ser confundida com várias outras mulheres que são apresentadas ao longo dos Evangelhos, incluindo uma mulher com os cabelos soltos (algo muito erótico para a época) que ungiu Cristo com óleo.

Existe outra teoria muito famosa — principalmente depois do lançamento do livro de Dan Brown, “O Código Da Vinci” — que diz que o apóstolo que está ao lado direito de Jesus na Santa Ceia (retratada pelo artista) não seria João e sim Maria Madalena. E, como Jesus não estava segurando uma taça, o cálice sagrado seria, na verdade, a própria Madalena, que estaria levando o sangue sagrado de Jesus, ou seja, um filho dele.

Há poucas referências concretas às suas ações nos Evangelhos que foram aceitos pela Igreja, incluindo sua recusa em abandonar a Cristo quando ele estava sendo crucificado e a descoberta da sua ressurreição.

Contando ainda com inúmeros personagens de nome Maria e muitas mulheres não identificadas, não é surpreendente que a sua interpretação tornou-se o emaranhado que se tornou. E tudo ainda foi mais “bagunçado” pelo Papa Gregório, 540-604 d.C., que declarou que Maria Madalena era a mesma mulher que todas as outras chamadas Maria nas escrituras sagradas (exceto a mãe de Jesus).

Revendo todas as evidências sobre Madalena, por que a Igreja quis fazer dela uma prostituta e extrema pecadora aos olhos dos fiéis? Segundo os estudiosos, isso aconteceu porque a Igreja queria utilizar as poucas e confusas “sugestões” (interpretando da forma dela) da Bíblia sobre Maria Madalena para manter as mulheres fora do clero.

Os evangelhos que continham mais escrituras sagradas sobre ela foram considerados “apócrifos”, ou seja, eles não estavam de acordo com os cânones do cristianismo nascente. Era mais conveniente para a Igreja excluí-los.

Os evangelhos, conforme conhecemos hoje, não foram estabelecidos como cânone até o quarto século, numa época em que a Igreja mais definitivamente queria deixar claro que os seus escalões superiores seriam formados apenas por homens.

Um texto que teria sido encontrado no século IV, no Egito, narra episódios da vida de Jesus contados por uma mulher de nome Maria de Mágdala e foi traduzido como "O Evangelho de Maria Madalena", tornando-se parte dos evangelhos fundadores do cristianismo.

De acordo com esse evangelho, ela não só foi um dos apóstolos, mas o único que não perdeu a fé em Cristo depois de sua morte. Ela aconselhava os outros, dizendo que ele ainda se comunicava com ela através de visões e optando por aparecer para ela em vez de outros por sua devota fé.

Este evangelho revelador, obviamente, se tornou uma ameaça para a Igreja e sua doutrinação fielmente masculina. As mesmas ideias que estavam por trás da criação da Maria Madalena como uma prostituta estavam por trás da divinização da Virgem Maria.

Tudo porque as mulheres eram consideradas criaturas sexuais, o que formava a sua identidade nas épocas antigas. A mãe de Jesus, por exemplo, raramente é referida em outras situações além de seu estado virginal. Fato é que a história de Maria Madalena foi e sempre será alvo de teorias, especulações e polêmica.

Em qual delas você acredita?

Jesus Cristo casou com Maria Madalena e com ela teve dois filhos, afirma antigo manuscrito

Um novo livro, baseado num manuscrito com cerca de 1.500 anos e que foi lançado em meados de Novembro, revela que Jesus Cristo casou com Maria Madalena e com ela teve dois filhos, noticiou a imprensa britânica.

O livro, baseado no chamado Evangelho Perdido, um manuscrito datado de há 1.450 anos descoberto naBritish Library, foi escrito pelo professor de estudos religiosos da universidade York, Toronto, Barrie Wilson, e pelo escritor e jornalista israelo-canadiano Simcha Jacobovici.

Segundo o jornal Sunday Times, o texto, que os dois autores passaram meses a traduzir do siríaco, língua próxima do aramaico (língua de Jesus), revela ainda que Jesus Cristo foi alvo de uma tentativa de assassínio quando tinha 20 anos.

Na sua página na internet, Barrie Wilson adianta que os investigadores sabem da existência do manuscrito há quase 200 anos anos, mas não sabiam o que fazer com ele.

Jacobovici, por seu lado, adiantou que o manuscrito, que tem 29 capítulos, é uma cópia datada do Século VI de um evangelho do Século I.

Escrito em pele de animal tratada, o manuscrito está nos arquivos da biblioteca britânica há 20 anos, onde foi colocado pelo museu britânico, que o comprou em 1847 a um comerciante que o terá obtido no antigo mosteiro de São Macário, no Egito.

O novo livro tem ainda revelações sobre as ligações políticas de Jesus com o imperador romano Tiberius e com um dos seus principais generais, Sejanus.

Há vários anos que circulam teorias sobre o casamento de Jesus. Uma das mais recentes desenvolveu-se a partir da descoberta, em Setembro de 2012, de um fragmento de papiro egípcio que alguns investigadores acreditam conter a primeira referência ao casamento de Jesus.

A descoberta foi desvalorizada, nomeadamente pela Igreja Católica, que afirma tratar-se de uma falsificação.

O texto contém na quarta linha as palavras: “E Jesus disse-lhes: ‘Eis a minha mulher” e na linha seguinte, “ela pode ser minha discípula”.

Testes científicos ao fragmento confirmaram que o que passou a chamar-se Evangelho da Mulher de Jesus é datado do Século VIII.

Sobre a polémica descoberta, o conceituado professor Karen L King, da universidade de Harvard, citado pelo jornal Boston Globe, disse: “Espero que possamos avançar para questões como o significado deste fragmento para a história do Cristianismo e para pensar sobre questões como: porque é que Jesus ser casado é tão importante? Porque é que as pessoas reagem de forma tão incrível a isso?”.

Relativamente a esta nova descoberta, a igreja de Inglaterra afirma já estar mais próxima da ficção do que da História.

“Parece partilhar mais semelhanças com Dan Brown (autor do livro «O Código Da Vinci», que desenvolve a teoria do casamento e dos filhos de Jesus com Maria Madalena) do que com os evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João)”, disse um porta-voz da igreja ao Sunday Times.

BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.