quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dilma Rousseff tolida pela própria história (Por Thiago Muniz)

O dia em que a solidão do poder será ainda mais sentida por Dilma Rousseff, abandonada de vez que será pelo seu partido, pelos seus eleitores e, por algum tempo, certamente, também pela história.

O apoio a seu impeachment é maior do que sua votação nas eleições. Fica claro que parte do seu eleitorado quer sua saída. O que não quer dizer que deseja o governo Temer. Olhando os dados, conclui-se que muitos, hoje, preferem novas eleições.

Talvez seria ingovernável se ela ficasse. Esse é um aspecto interessante do nossa lei de impeachment. Uma vez que há um governo interino que assume, a volta do presidente afastado gera ainda mais instabilidade. Nos EUA ocorre diferente. O presidente não é afastado durante o processo. Por isso, muita gente, no Brasil, já tem falado da necessidade em se reformar essa legislação.

É admirável sua resistência durante a longa sessão no Senado Federal na última segunda-feira. Muitos disseram que o discurso da presidente foi consistente, o que não mudará absolutamente nada na votação de hoje. Afinal, não foi com base em argumentos técnicos que parte majoritária dos que nesta quarta-feira votarão pela sua saída foram convencidos.

Se é verdade que o governo cometeu muitos erros, e que Dilma, como todo político faz sempre, buscou diminui-los ou mesmo ignora-los em seu discurso, o fato é que o domínio da presidente acerca dos detalhes das acusações que pesam sobre ela – mesmo que com sua oratória pobre, seu pensamento confuso e seu ar professoral – certamente colocam sérias dúvidas sobre sua culpa. Em geral, quando isso convém, “in dubio pro reo”.

Mas não é o que acontecerá hoje. Daremos início a um novo ciclo político-institucional marcado pela incerteza, pelo risco da formação de maiorias circunstanciais. Maiorias que, em contextos de crise econômica (seja ela culpa do governo ou não); escândalos morais (potencializados ou não pela mídia), manifestações sociais (populares ou não, ainda que numerosas) e falta de habilidade política do governante (seja pela sua história de vida ou por sua trajetória política) poderão se articular para tirar do poder representantes legítima e constitucionalmente eleitos.

Dilma Rousseff perderá o cargo pelo “conjunto da obra”, embora o impeachment não constitua um “recall”, que usamos quando concluímos que o governo vai mal. Como disse outro dia a líder do governo interino no Senado, Rose de Freitas, “não teve esse negócio de pedalada, nada disso; o que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar”.

Dilma está correta no que disse no Senado ao responder à Ana Amélia: o impeachment é legal, pois existe na Constituição, mas para que seja legítimo – do ponto de vista da democracia que temos, e não das maiorias formadas momentaneamente –, precisa ser também justo em seu conteúdo.

Por isso, muitos falam que estamos assistindo a um golpe. Mesmo para quem discorda, com certeza não é fácil ignorar o casuísmo que marca o momento, casuísmo que, revestido de legalidade (“O impeachment está previsto na Carta de 1988”), é a marca de todos os processos de tomada do poder pela via não-eleitoral. 

Por isso, olhar apenas a lei, como se ela fosse não a expressão provisória de uma correlação de forças existente na realidade social, mas a própria realidade social, é ignorar o fato de que nem sempre a lei está correta, porque nem sempre ela é justa – basta lembrar da escravidão, do nazismo, do Apartheid, da exclusão das mulheres da política, todos legais em sua época. A decisão passa ser, portanto, entre legalidade e justiça. O ideal – um ideal em que muitos acreditam, inocentemente ou não – é que esses dois termos sempre pudessem formar um par perfeito.

Na análise do conjunto da obra, vários senadores que subiram à tribuna do Senado na segunda-feira acusaram Dilma Rousseff de ter mentido durante a campanha. Tinham razão, certamente. Diziam que ela, prometendo não tirar os direitos sociais nem que a “vaca tossisse”, acabou fazendo exatamente isso. 

O ardil, aqui, está em passar a idéia de que, ao tirar a presidente do poder, essa base parlamentar ajuda a defender os direitos sociais, quando se sabe que o governo da vez, ainda na sua interinidade, já estuda medidas incomparavelmente mais duras que só farão aprofundar a desigualdade social no Brasil. Com o tempo, talvez fique claro que teria sido melhor perder um pouco de direitos com Dilma do que tanto mais com Temer.

A História se encarregará de provar todos os erros cometidos neste processo. Mas, o que mais me assusta é a falta de condições morais mínimas de muitos componentes do "tribunal" que defendem interesses que certamente não são da população. O "julgamento" é político e deve levar ao impedimento da presidente. Pode ser legal, mas não é legítimo. 

Enquanto isso, Eduardo Cunha permanece... (até quando?)

Um adendo para refletir: 58,5% dos nossos líderes foram eleitos por voto popular - mas 41,5% foram escolhidos indiretamente, pelos militares ou pelo Congresso.


Dilma fechou sua declaração à imprensa com uma citação de Maiakovski:

"Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta.
"


O impeachment da fé (Por Tom Valença)

Deus está morto. Morreu de overdose da fé falsa dos fariseus que erguem templos de areia banhados em ouro. Morreu bombardeado pela fé cega dos iconoclastas que só veneram o que enxergam no espelho. Morreu intoxicado por alimentos fast food feitos com os pães com grãos transgênicos, pelos peixes contaminados pela lama da Samarco e pelo vinho feito com o sangue dos que atiraram a primeira pedra e esconderam a mão. Deus morreu de vergonha quando seus símbolos foram evocados em vão por quem lavou as mãos e deixou a torneira aberta até a fonte secar. Deus está morto e sua maior prova de sabedoria é não querer ressuscitar para viver tudo de novo nos sonhos de seus criadores que se dizem seus filhos multiplicados entre centésimos de dízimos.








BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.




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