terça-feira, 19 de abril de 2016

Domingo histórico? (Por Vitor de Angelo)

Dizem por aí que domingo foi um dia histórico para o Brasil por causa da sessão da Câmara que aprovou o impeachment contra a presidente Dilma. Dizem também que, em certos momentos da vida, é preciso saber de qual lado da história se quer ficar.

Eu acrescentaria que, uma vez escolhido o lado, o mais honroso seria não renegar essa decisão, sobretudo com menos de 24h depois dos fatos passados. Fazer autocrítica é uma coisa; outra, bem diferente, é tergiversar sobre a realidade que se ajudou a construir, sem reconhecer que ela é obra das próprias mãos de quem a rejeita.

Está em curso um movimento sutil, porém, facilmente perceptível, de recuo da parte de muitos daqueles que apoiaram a aprovação do impeachment da presidente no último domingo. De um lado, esse movimento consiste em simular uma ofensiva contra Michel Temer e Eduardo Cunha que – sabemos todos – jamais será concretizada por esses setores. 

Não existe essa história de “um de cada vez”. MBL, Revoltados Online, Vem Pra Rua e congêneres não convocaram nem convocarão nenhum protesto contra esses políticos.

De outro lado, tenta-se transferir àqueles que se posicionaram contrários ao impeachment a responsabilidade de, hoje, termos em Temer o virtual substituto de Dilma, já que foram os eleitores da presidente que escolheram uma chapa da qual ele era vice, em 2010 e 2014. 

De fato, isso não deixa de ser verdade, não obstante se pudesse falar, aqui, da impossibilidade de separar o voto no cabeça de chapa do voto no seu companheiro. Ou os eleitores de José Serra, em 2006, votaram no senador tucano querendo eleger o deputado Índio da Costa, seu candidato a vice?

Da minha perspectiva, tudo leva a crer que muitos apoiadores do impeachment tiveram, no domingo, um encontro consigo mesmo. E não gostaram do que viram; como, de resto, os demais que assistiram à longuíssima sessão da Câmara. A diferença é que, enquanto estes jamais tiveram dúvidas sobre o que veriam na TV, aqueles sempre dissimularam o que parecia óbvio.

Em primeiro lugar, é óbvio que Eduardo Cunha sempre foi usado, tolerado e protegido na medida em que servia ao interesse maior dos apoiadores do impeachment, que é tirar a presidente e seu partido do poder. 

O que causou constrangimento foi ver esse aliado circunstancial ser chamado de ladrão, bandido, conspirador e gângster por seus próprios pares. Nesse sentido, embora muitos já soubessem, ficou maculada a luta contra a corrupção feita em aliança com o “chefe de quadrilha”, nas palavras do ex-ministro Ciro Gomes.

Em segundo lugar, é óbvio que a luta dos apoiadores do impeachment jamais foi contra a corrupção, somente. Mais da metade dos membros da comissão especial da Câmara que analisou o pedido de impeachment já foi condenada ou responde à Justiça. Eduardo Cunha, que presidiu a sessão, tem um processo de cassação no Conselho de Ética da Casa e também é réu no STF por corrupção e lavagem de dinheiro. 

Diversos deputados que votaram “sim” têm pendências na Justiça. O voto que sacramentou a aprovação foi proferido por um parlamentar que aparece na lista da Odebrecht envolvendo contribuições de campanha com dinheiro de propina. 

Uma das deputadas que votou pelo impeachment dizendo lutar “por um Brasil que tem jeito” teve o marido preso na manhã seguinte pela Polícia Federal em operação contra a corrupção.

Em terceiro e último lugar, é óbvio que os apoiadores do impeachment, ao flertarem com o radicalismo político, abriram espaço para uma extrema-direita já desavergonhada no Brasil de hoje. Desavergonhada a ponto de aludir a torturadores em seu voto contra Dilma Rousseff, tal como o fez o deputado Jair Bolsonaro. 

Nos protestos anti-governo ocorridos em 2015 e 2016, os apologistas da ditadura sempre estiveram presentes, saudando as Forças Armadas e pedindo intervenção militar “constitucional” e “democrática”. 

Sem que isso jamais tivesse incomodado a liderança do movimento, entusiastas do período mais tenebroso da história recente do Brasil foram sendo incorporados aos opositores do governo e do PT no simples propósito de fortalecer o movimento, ainda que ao preço de defender a violação dos direitos humanos. 

Bolsonaro não é uma caricatura. Ele é precisamente a parte mais extremada desses setores pró-impeachment.




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