quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Como será o amanhã? (Por Thais Velloso)

Oceano inteiro continuará sendo pranto de saudade amanhã, em referência à Calunga onde dolorosamente se percorre a travessia, para quebrar a corrente e alumiar o ritual. Quem estiver assistindo e admirando, constituindo o caudal de gente que se reiventa ali, estará sendo protegido pela união do céu e do mar. E teremos então um banquete para o rei, enfeitado do verde tijucano que nos trará a esperança desativada pelas negativas revestidas de óleo curador. Aralokô, pajuê. Em seguida aprenderemos que no princípio nem sempre era o verbo, no ritual sossegado das mães de santo na avenida. Axé! De repente o rádio será ligado por mãos femininas que revelarão um repertório de amor, poesia de outrora. E bailaremos. Já será madrugada, ao som da sinfonia de Villa-Lobos, brasileiro. Canoeiro, canoeiro... Há ainda que se botar banca na Avenida, vindo de São Carlos. Assim lutaremos pela liberdade diante das aquarelas de Debret.

Navegaremos em águas claras até a Zona Sul, gritando por liberdade com orgulho dos ancestrais. Um menino na Santa Cruz ensinou o que é amar, nos explicando que a força pra viver está em um coração de criança, como o nosso pode também ser. Aprendendo a lição, não seremos mais um entregue a razão, e então teremos na mente o dom da criação. No pé da serra transformada em Avenida, um batuque pra Xangô. O rei bordará um mundo de delírios, sonhos, devaneios, tingindo de verde nossa história. Ouvindo o som do atabaque, entenderemos o clamor por piedade. Moju, Magé, Mojubá! Nos encontraremos no abraço da fera encantada, numa passarela tomada pelo canto da Iara, todos sendo levados pela correnteza que conduz até o Eldorado, uma Padre Miguel com cidadãos pintados de ouro.

Até que a sandália da passista no chão anunciará um novo ano. E as vozes se unirão em coro mostrando que o povo está mesmo matando a saudade. Na mais bela arte, as arquibancadas formarão a mais perfeita arquitetura numa paleta em que o preto se mistura com o amarelo. E do futuro virá o branco e o azul inundando nossos olhos de amor. "É o povo do samba!", gritaremos. Vanguarda popular composta por quem vem dos Macacos e do Boulevard. Meu Deus, se eu chorar não leve a mal. De São Cristóvão virá gente nos lembrar que não somos escravos de nenhum senhor. Libertados, estaremos também no trono, e depois do cassino, onde se ganha e se perde dinheiro, brincaremos de qualquer maneira. Pecado é não brincar o Carnaval. E Namastê pra todo povo da Avenida.

Desobedecendo pra pacificar, a luz vai acender; o céu, clarear. Coração aberto, quem quiser pode chegar. Voará a águia sobre nós, com poesia de cordel presa no bico, sob vinte e duas estrelas no céu. Provaremos o sabor do Carnaval, provocando uma vontade louca de que chegue logo o próximo. Calor que afaga, poder que assola. Mães e mulheres se aproximarão, apontando a estrela que tem que brilhar. Firmarão o tambor pra rainha do terreiro e veremos juntos a ginga que faz esse povo sambar. E é sambando que nos daremos conta da coroa girando, de pipas pelos ares, tiê, tucano e arara voando, tambores ressoando para ver brilhar meninos abandonados. Carentes, não teremos medo de amar. A nossa festa é pra quem sabe cuidar e pra quem não nega o amor. Sendo assim, voltaremos de lá alimentados de axé, já que o samba faz essa dor dentro do peito ir embora.






























Thaís Velloso é Professora e Mestre em Literatura Brasileira pela UFRJ.




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