“A função do artista é violentar”
A frase emprestada do cineasta Glauber Rocha encabeça o blog onde Latuff disponibiliza seu trabalho.
Poucos cartunistas se deram tão bem na era da internet quanto Carlos Latuff. Bom desenhista, politicamente engajado, inteligente e rápido no gatilho, Latuff tomou posições claras e se tornou uma referência no ativismo social.
Presença constante em no blog, desenhando pra quem não consegue entender as entrelinhas do noticiário, o ilustrador Carlos Latuff publica diariamente em seu blog charges políticas de alta periculosidade.
No fim dos anos 1990, ficou chocado com a situação palestina durante uma visita e passou a tê-la como inspiração principal. Com isso, ficou cada vez mais comum ver seus trabalhos reproduzidos em cartazes e faixas de manifestantes anti-guerra pelo mundo inteiro.
Nascido no Rio de Janeiro há 45 anos, vive em Porto Alegre, e foi adotado pelos gaúchos. Sente-se mais em casa ali do que no Rio, que considera uma cidade desvirtuada do que foi nos bons tempos.
Latuff é um dos principais ativistas políticos de esquerda no Brasil. Suas charges são publicadas em diversos países e o tema principal do seu trabalho é ligado aos direitos humanos, cidadania, contra a repressão do Estado aos movimentos sociais, além da causa a favor da Palestina.
Já foi ameaçado de morte, seu trabalho é muito compartilhado pela internet e suas charges costumam ser usadas por manifestantes como símbolo de luta e denúncia.
Carlos Henrique Latuff de Sousa (Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1968) é um chargista e ativista político brasileiro.
Latuff iniciou sua carreira como ilustrador em 1989, numa pequena agência de propaganda situada no centro do Rio de Janeiro. Tornou-se cartunista depois de publicar sua primeira charge num boletim do Sindicato dos Estivadores, em 1990, e permanece trabalhando para a imprensa sindical até os dias de hoje.
Com o advento da Internet, Latuff deu início ao seu ativismo artístico, produzindo desenhos copyleft para o movimento zapatista.
Após uma viagem aos territórios ocupados da Cisjordânia, em 1999, tornou-se um simpatizante da causa palestina, no contexto do conflito israelo-palestino e passou a dedicar boa parte do seu trabalho a esse tema. Tornou-se anti-sionista durante esta viagem e hoje ajuda a propagar ideais anti-sionistas.
Tem trabalhos espalhados por todo o mundo. É de sua autoria a primeira charge brasileira participante do Concurso Internacional de Caricaturas sobre o Holocausto, organizado em 2006, no Irã, pelo jornal Hamshahri em resposta às caricaturas de Maomé, publicadas na Dinamarca. O concurso deu lugar a uma exposição de 204 obras vindas de todo o mundo, no Museu de Arte Contemporânea de Teerã. Latuff obteve o segundo lugar, com um desenho que retrata um palestino em desespero diante do muro da Cisjordânia, usando o uniforme dos prisioneiros de campos de concentração nazistas. No uniforme, aparece o Crescente, um símbolo muçulmano, em vez da Estrela de David, símbolo do judaísmo, que era usada pelos prisioneiros judeus nos campos de concentração nazistas.
As grandes manifestações de protesto de 2011, que se espalharam por todo o mundo árabe - a "Primavera Árabe" -, repercutiram no trabalho de Latuff, que quase diariamente produzia charges sobre eventos associados a esses movimentos. O SCAF, a Líbia e a OTAN são alguns dos temas frequentes de seu trabalho. Seus trabalhos sobre a "Primavera Árabe" tornaram-se importantes para os povos que viveram e vivem esses acontecimentos, sendo comum encontrar reproduções de caricaturas de Latuff em cartazes exibidos nas mãos de manifestantes nas ruas, tanto no Mundo Árabe como em outras regiões do mundo, exposto pelos meios de comunicação brasileiros e internacionais. "É um trabalho autoral, mas não se trata da minha opinião. É preciso que seja útil para os manifestantes, e que eles possam usar aquilo como uma ferramenta," explica o chargista. "Charge incomoda", resume.
A Primavera Árabe representou uma verdadeira revolução no Oriente Médio, quando cidadãos egípicios começaram a se mobilizar contra o governo de Hosni Mubarak por meio das redes sociais. O cartunista brasileiro Carlos Latuff teve muitas de suas charges usadas em protestos no Egito. Segundo ele, ativistas entravam em contato com ele via twitter solicitando trabalhos para as manifestações.
Segundo Latuff, a internet ainda é uma ferramenta que pode ser usada como contraponto do que é mostrado pela mídia. "A imprensa no Egito não mostrava o que acontecia ou porque não podia, por questão censura, ou porque não queria, por ter o 'rabo preso' com o governo", afirma. As redes sociais, então, se tornaram um veículo alternativo: "Os cidadãos que tinham acesso à internet usavam twitter e facebook e colocavam lá suas reportagens. Foi por isso que o governo cortou o sinal de internet e celular por um tempo. Eles tinham controle sobre a mídia, mas não tinham sobre a internet", lembra.
Lembrado principalmente por seu ativismo político e simpatia pela causa muçulmana, principalmente pela Palestina, o cartunista brasileiro Carlos Latuff nunca escondeu ser contrário às publicações da revista 'Charlie Hebdo' sobre Maomé.
"Não acho que essas charges deveriam ser proibidas. Mas o artista deve usar o bom senso" , pondera. "Não trabalharia no Charlie. Não tenho por que fazer desenhos de Maomé sem roupa."
Ao traçar um paralelo entre o trabalho satírico na imprensa francesa e na brasileira, Latuff explica que a revista parisiense claramente provoca os fiéis, enquanto no Brasil, segundo ele, os cartunistas estão mais preocupados em fazer graça do que crítica.
Apesar de ser crítico à abordagem da revista parisiense, Latuff afirma jamais ter imaginado que a repercussão das charges tomaria proporções terroristas e afetaria o mundo inteiro.
"Fui e continuo sendo contra as charges de Maomé, mas não posso aceitar a execução sumária de quem quer que seja por causa de suas opiniões", diz.
O ataque dessa quarta (8) não foi o primeiro ataque sofrido pela revista. 'Charlie Hebdo'. Em 2011, o veículo havia sido alvo de um ataque com bomba após publicar edição sobre a religião islâmica. À época, o editor-chefe do veículo, Stéphane Charbonnier, o Charb, um dos 12 mortos no ataque, passou a sofrer ameaças de morte e desde então andava sob escolta policial. Além de Charb, os chargistas Georges Wolinski, Jean Cabut, conhecido como Cabu, e Tignous também foram mortos no ataque.
"Creio que soubessem o vespeiro onde estavam se metendo, mas não esperavam uma reação dessa proporção", diz o brasileiro.
Cartunistas, jornalistas e participantes da quarta edição do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) debateram no dia 23 de março, em Túnis, capital da Tunísia, a liberdade de expressão tendo como mote o atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em janeiro, que matou 12 pessoas, das quais quatro cartunistas.
Na opinião de Latuff, o ataque ao Charlie Hebdo motivado pelas charges do profeta Maomé não tem como pano de fundo a liberdade de expressão, mas sim ao fato de o semanário francês e outros veículos na Europa incentivarem a discriminação crescente contra o islamismo no continente. “A gente precisa entender a que servem essas charges no momento em que muçulmanos e imigrantes na Europa são perseguidos. Essa discussão do contexto histórico e geopolítico não foi feita pela imprensa e pelos cartunistas”.
Para Latuff, os cartunistas devem ter bom senso e responsabilidade em seus trabalhos. “Eu não apoio a censura, mas entendo que você precisa saber a quem ou a que o seu trabalho está servindo. Não é questão de limite, mas de bom senso, de responsabilidade por aquilo que você faz. Quando você faz charges ofendendo e agredindo muçulmanos, qual o objetivo dentro de uma lógica de islamofobia na Europa em que os muçulmanos são perseguidos?”, questiona.
O jornalista do jornal satírico francês Ravi, Sébastien Boistel, destacou que não se deve colocar limites arbitrários à liberdade de expressão. “Para nós, o que efetivamente nos incomodou com as caricaturas publicadas pelo Charlie Hebdo não é propriamente o conteúdo, mas de onde a caricatura vinha. Há caricaturas que vêm de jornais da direita e da extrema-direita. Dar audiência a esse tipo de publicação para nós representa uma preocupação por retransmitir a opinião desses jornais de direita”.
Segundo Boistel, a liberdade de expressão é um direito fundamental na França e as pessoas que se sentirem ofendidas com alguma publicação podem recorrer aos tribunais. Ele lembra que o Charlie Hebdo já foi processado diversas vezes.
Para Latuff, é urgente criar alternativas de comunicação no Brasil. “Quando se tem uma mídia mais plural, tem o contraponto. É muito comum ver uma emissora de rádio ou de TV que não abre para o contraditório. Sinto muita falta de debates no Brasil, por exemplo. Isso tem a ver [com o fato] de as empresas de comunicação estarem nas mãos de famílias que têm seus próprios interesses”.
O FMML é um evento paralelo ao Fórum Social Mundial, que também ocorreu em Túnis, entre os dias 24 e 28 de março de 2015.
A conta não fecha: quando um jornal europeu acaba sendo alvo de protestos por publicar charges ofensivas ao profeta Maomé, a liberdade de expressão é invocada em defesa da publicação. “Mas quando um cartunista como eu, que não tem foco sobre o judaísmo ou questões raciais, dedica seu trabalho a expor o apartheid israelense sobre os palestinos, recebe difamação”, resume Carlos Latuff.
Esta difamação voltou à tona na virada de 2012 para 2013, quando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Simón Wiesenthal, entidade israelense sediada em Los Angeles, colocou o cartunista na terceira posição de uma lista que aponta dez organizações ou pessoas consideradas mais antissemitas. Na tentativa de ilustrar sua posição no seu relatório, o instituto utilizou charge de Latuff que mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, torcendo um cadáver palestino para obter votos eleitorais.
“Não fiquei surpreso. Não é a primeira vez que acontece esta tática de associar crítica ao estado de Israel ao antissemitismo. Existe uma série de organizações nos Estados Unidos e na Europa que se dedicam a este tipo de tarefa: identificar na imprensa, na Internet, artigo e opiniões que sejam contrárias à política de Israel para expô-los como antissemitas”, lembra Latuff.
A lista do Centro Simón Wiesenthal é encabeçada por Mohammed Badie, líder da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico), seguido por Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã. O terceiro nome é do cartunista brasileiro – que está, na lista, à frente do partido nazista grego, por exemplo. Nada que abale a disposição de Latuff em continuar denunciando os crimes do estado de Israel sobre os palestinos por meio de suas charges.
“Na verdade, (a lista) deixa a gente satisfeito porque mostra que o trabalho está surtindo efeito. O que lamento é a utilização do antissemitismo para fins políticos”, diz ele. Uma petição online, já assinada por mais de 450 pessoas, exige “o fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”.
Carlos Latuff não faz revoluções. Não pega em armas nem media conflitos. Mas o trabalho do brasileiro é parte importante nas grandes revoltas do século XXI. Seja pintado no Muro do Apartheid que cerca Jerusalém ou numa bandeira a tremular na Faixa de Gaza, os traços do cartunista dão forma a sentimentos e reivindicações de povos oprimidos mundo afora. Traços estes que se tornaram famosos principalmente por retratar histórias de lutas por liberdade e direitos sociais de povos no Oriente Médio.
Na Primavera Árabe, um dos mais célebres levantes populares dos últimos anos, era comum ver faixas, bandeiras e camisas exibindo charges do carioca, em protestos contra ditaduras enraizadas há décadas na região. No Brasil, o trabalho de Latuff retrata, diariamente, os assuntos em pauta na sociedade. Mas é a polícia brasileira, vista por ele como “brutal e corrupta”, que encabeça a lista de temas que mais geram polêmica. A crítica aos órgãos de segurança é respondida, por vezes, com ameaças de morte nas redes sociais.
E é a internet a responsável pela disseminação dos trabalhos do carioca. Grupos de rebeldes e a mídia alternativa, comumente, entram em contato com ele através das redes sociais, em busca de material para ser usado em manifestações e publicações no mundo inteiro. Apesar da repercussão mundial, Latuff ainda é pouco conhecido no Brasil. Um dos motivos é sua habitual crítica forte aos meios de comunicação em nosso país, vistos por ele como “uma grande indústria de manipulações”.
Apesar de possuir descendência árabe, Carlos Latuff afirma que seus pensamentos nada têm a ver com sua família: “Muita gente pensa que é por causa da minha origem libanesa, pelo lado da minha avó, mas não é isso. Tem a ver com a solidariedade com os povos, sejam árabes, curdos ou de qualquer outro lugar. Considero-me um internacionalista”, disse Latuff à Agência Efe. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, iniciou sua carreira trabalhando em veículos da imprensa sindical, ao fim da década de 80. Mas foi só em 1998, após tomar conhecimento do movimento zapatista no México, que o cartunista passou a desenvolver trabalhos com viés ativista em questões que envolvem lutas sociais.
Em 1999, após visitar territórios de refugiados palestinos na Cisjordânia, Carlos Latuff tornou-se simpatizante da causa Palestina, assunto que passou a ser recorrente nos trabalhos do carioca. E rendeu-lhe até um prêmio: segundo a organização judaica Simon Wiesentha, Latuff é o terceiro maior antissemita (pessoa que tem aversão a judeus) do mundo, devido a sua postura contrária à ilegal ocupação israelense em territórios palestinos. Além do posto, recebeu ameaça de morte do grupo ligado ao Likud, partido de extrema-direita de Israel.
No fim dos anos 1990, ficou chocado com a situação palestina durante uma visita e passou a tê-la como inspiração principal. Com isso, ficou cada vez mais comum ver seus trabalhos reproduzidos em cartazes e faixas de manifestantes anti-guerra pelo mundo inteiro.
Nascido no Rio de Janeiro há 45 anos, vive em Porto Alegre, e foi adotado pelos gaúchos. Sente-se mais em casa ali do que no Rio, que considera uma cidade desvirtuada do que foi nos bons tempos.
Latuff é um dos principais ativistas políticos de esquerda no Brasil. Suas charges são publicadas em diversos países e o tema principal do seu trabalho é ligado aos direitos humanos, cidadania, contra a repressão do Estado aos movimentos sociais, além da causa a favor da Palestina.
Já foi ameaçado de morte, seu trabalho é muito compartilhado pela internet e suas charges costumam ser usadas por manifestantes como símbolo de luta e denúncia.
Carlos Henrique Latuff de Sousa (Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1968) é um chargista e ativista político brasileiro.
Latuff iniciou sua carreira como ilustrador em 1989, numa pequena agência de propaganda situada no centro do Rio de Janeiro. Tornou-se cartunista depois de publicar sua primeira charge num boletim do Sindicato dos Estivadores, em 1990, e permanece trabalhando para a imprensa sindical até os dias de hoje.
Com o advento da Internet, Latuff deu início ao seu ativismo artístico, produzindo desenhos copyleft para o movimento zapatista.
Após uma viagem aos territórios ocupados da Cisjordânia, em 1999, tornou-se um simpatizante da causa palestina, no contexto do conflito israelo-palestino e passou a dedicar boa parte do seu trabalho a esse tema. Tornou-se anti-sionista durante esta viagem e hoje ajuda a propagar ideais anti-sionistas.
Tem trabalhos espalhados por todo o mundo. É de sua autoria a primeira charge brasileira participante do Concurso Internacional de Caricaturas sobre o Holocausto, organizado em 2006, no Irã, pelo jornal Hamshahri em resposta às caricaturas de Maomé, publicadas na Dinamarca. O concurso deu lugar a uma exposição de 204 obras vindas de todo o mundo, no Museu de Arte Contemporânea de Teerã. Latuff obteve o segundo lugar, com um desenho que retrata um palestino em desespero diante do muro da Cisjordânia, usando o uniforme dos prisioneiros de campos de concentração nazistas. No uniforme, aparece o Crescente, um símbolo muçulmano, em vez da Estrela de David, símbolo do judaísmo, que era usada pelos prisioneiros judeus nos campos de concentração nazistas.
As grandes manifestações de protesto de 2011, que se espalharam por todo o mundo árabe - a "Primavera Árabe" -, repercutiram no trabalho de Latuff, que quase diariamente produzia charges sobre eventos associados a esses movimentos. O SCAF, a Líbia e a OTAN são alguns dos temas frequentes de seu trabalho. Seus trabalhos sobre a "Primavera Árabe" tornaram-se importantes para os povos que viveram e vivem esses acontecimentos, sendo comum encontrar reproduções de caricaturas de Latuff em cartazes exibidos nas mãos de manifestantes nas ruas, tanto no Mundo Árabe como em outras regiões do mundo, exposto pelos meios de comunicação brasileiros e internacionais. "É um trabalho autoral, mas não se trata da minha opinião. É preciso que seja útil para os manifestantes, e que eles possam usar aquilo como uma ferramenta," explica o chargista. "Charge incomoda", resume.
A Primavera Árabe representou uma verdadeira revolução no Oriente Médio, quando cidadãos egípicios começaram a se mobilizar contra o governo de Hosni Mubarak por meio das redes sociais. O cartunista brasileiro Carlos Latuff teve muitas de suas charges usadas em protestos no Egito. Segundo ele, ativistas entravam em contato com ele via twitter solicitando trabalhos para as manifestações.
Segundo Latuff, a internet ainda é uma ferramenta que pode ser usada como contraponto do que é mostrado pela mídia. "A imprensa no Egito não mostrava o que acontecia ou porque não podia, por questão censura, ou porque não queria, por ter o 'rabo preso' com o governo", afirma. As redes sociais, então, se tornaram um veículo alternativo: "Os cidadãos que tinham acesso à internet usavam twitter e facebook e colocavam lá suas reportagens. Foi por isso que o governo cortou o sinal de internet e celular por um tempo. Eles tinham controle sobre a mídia, mas não tinham sobre a internet", lembra.
Lembrado principalmente por seu ativismo político e simpatia pela causa muçulmana, principalmente pela Palestina, o cartunista brasileiro Carlos Latuff nunca escondeu ser contrário às publicações da revista 'Charlie Hebdo' sobre Maomé.
"Não acho que essas charges deveriam ser proibidas. Mas o artista deve usar o bom senso" , pondera. "Não trabalharia no Charlie. Não tenho por que fazer desenhos de Maomé sem roupa."
Ao traçar um paralelo entre o trabalho satírico na imprensa francesa e na brasileira, Latuff explica que a revista parisiense claramente provoca os fiéis, enquanto no Brasil, segundo ele, os cartunistas estão mais preocupados em fazer graça do que crítica.
Apesar de ser crítico à abordagem da revista parisiense, Latuff afirma jamais ter imaginado que a repercussão das charges tomaria proporções terroristas e afetaria o mundo inteiro.
"Fui e continuo sendo contra as charges de Maomé, mas não posso aceitar a execução sumária de quem quer que seja por causa de suas opiniões", diz.
O ataque dessa quarta (8) não foi o primeiro ataque sofrido pela revista. 'Charlie Hebdo'. Em 2011, o veículo havia sido alvo de um ataque com bomba após publicar edição sobre a religião islâmica. À época, o editor-chefe do veículo, Stéphane Charbonnier, o Charb, um dos 12 mortos no ataque, passou a sofrer ameaças de morte e desde então andava sob escolta policial. Além de Charb, os chargistas Georges Wolinski, Jean Cabut, conhecido como Cabu, e Tignous também foram mortos no ataque.
"Creio que soubessem o vespeiro onde estavam se metendo, mas não esperavam uma reação dessa proporção", diz o brasileiro.
Cartunistas, jornalistas e participantes da quarta edição do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) debateram no dia 23 de março, em Túnis, capital da Tunísia, a liberdade de expressão tendo como mote o atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em janeiro, que matou 12 pessoas, das quais quatro cartunistas.
Na opinião de Latuff, o ataque ao Charlie Hebdo motivado pelas charges do profeta Maomé não tem como pano de fundo a liberdade de expressão, mas sim ao fato de o semanário francês e outros veículos na Europa incentivarem a discriminação crescente contra o islamismo no continente. “A gente precisa entender a que servem essas charges no momento em que muçulmanos e imigrantes na Europa são perseguidos. Essa discussão do contexto histórico e geopolítico não foi feita pela imprensa e pelos cartunistas”.
Para Latuff, os cartunistas devem ter bom senso e responsabilidade em seus trabalhos. “Eu não apoio a censura, mas entendo que você precisa saber a quem ou a que o seu trabalho está servindo. Não é questão de limite, mas de bom senso, de responsabilidade por aquilo que você faz. Quando você faz charges ofendendo e agredindo muçulmanos, qual o objetivo dentro de uma lógica de islamofobia na Europa em que os muçulmanos são perseguidos?”, questiona.
O jornalista do jornal satírico francês Ravi, Sébastien Boistel, destacou que não se deve colocar limites arbitrários à liberdade de expressão. “Para nós, o que efetivamente nos incomodou com as caricaturas publicadas pelo Charlie Hebdo não é propriamente o conteúdo, mas de onde a caricatura vinha. Há caricaturas que vêm de jornais da direita e da extrema-direita. Dar audiência a esse tipo de publicação para nós representa uma preocupação por retransmitir a opinião desses jornais de direita”.
Segundo Boistel, a liberdade de expressão é um direito fundamental na França e as pessoas que se sentirem ofendidas com alguma publicação podem recorrer aos tribunais. Ele lembra que o Charlie Hebdo já foi processado diversas vezes.
Para Latuff, é urgente criar alternativas de comunicação no Brasil. “Quando se tem uma mídia mais plural, tem o contraponto. É muito comum ver uma emissora de rádio ou de TV que não abre para o contraditório. Sinto muita falta de debates no Brasil, por exemplo. Isso tem a ver [com o fato] de as empresas de comunicação estarem nas mãos de famílias que têm seus próprios interesses”.
O FMML é um evento paralelo ao Fórum Social Mundial, que também ocorreu em Túnis, entre os dias 24 e 28 de março de 2015.
A conta não fecha: quando um jornal europeu acaba sendo alvo de protestos por publicar charges ofensivas ao profeta Maomé, a liberdade de expressão é invocada em defesa da publicação. “Mas quando um cartunista como eu, que não tem foco sobre o judaísmo ou questões raciais, dedica seu trabalho a expor o apartheid israelense sobre os palestinos, recebe difamação”, resume Carlos Latuff.
Esta difamação voltou à tona na virada de 2012 para 2013, quando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Simón Wiesenthal, entidade israelense sediada em Los Angeles, colocou o cartunista na terceira posição de uma lista que aponta dez organizações ou pessoas consideradas mais antissemitas. Na tentativa de ilustrar sua posição no seu relatório, o instituto utilizou charge de Latuff que mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, torcendo um cadáver palestino para obter votos eleitorais.
“Não fiquei surpreso. Não é a primeira vez que acontece esta tática de associar crítica ao estado de Israel ao antissemitismo. Existe uma série de organizações nos Estados Unidos e na Europa que se dedicam a este tipo de tarefa: identificar na imprensa, na Internet, artigo e opiniões que sejam contrárias à política de Israel para expô-los como antissemitas”, lembra Latuff.
A lista do Centro Simón Wiesenthal é encabeçada por Mohammed Badie, líder da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico), seguido por Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã. O terceiro nome é do cartunista brasileiro – que está, na lista, à frente do partido nazista grego, por exemplo. Nada que abale a disposição de Latuff em continuar denunciando os crimes do estado de Israel sobre os palestinos por meio de suas charges.
“Na verdade, (a lista) deixa a gente satisfeito porque mostra que o trabalho está surtindo efeito. O que lamento é a utilização do antissemitismo para fins políticos”, diz ele. Uma petição online, já assinada por mais de 450 pessoas, exige “o fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”.
Carlos Latuff não faz revoluções. Não pega em armas nem media conflitos. Mas o trabalho do brasileiro é parte importante nas grandes revoltas do século XXI. Seja pintado no Muro do Apartheid que cerca Jerusalém ou numa bandeira a tremular na Faixa de Gaza, os traços do cartunista dão forma a sentimentos e reivindicações de povos oprimidos mundo afora. Traços estes que se tornaram famosos principalmente por retratar histórias de lutas por liberdade e direitos sociais de povos no Oriente Médio.
Na Primavera Árabe, um dos mais célebres levantes populares dos últimos anos, era comum ver faixas, bandeiras e camisas exibindo charges do carioca, em protestos contra ditaduras enraizadas há décadas na região. No Brasil, o trabalho de Latuff retrata, diariamente, os assuntos em pauta na sociedade. Mas é a polícia brasileira, vista por ele como “brutal e corrupta”, que encabeça a lista de temas que mais geram polêmica. A crítica aos órgãos de segurança é respondida, por vezes, com ameaças de morte nas redes sociais.
E é a internet a responsável pela disseminação dos trabalhos do carioca. Grupos de rebeldes e a mídia alternativa, comumente, entram em contato com ele através das redes sociais, em busca de material para ser usado em manifestações e publicações no mundo inteiro. Apesar da repercussão mundial, Latuff ainda é pouco conhecido no Brasil. Um dos motivos é sua habitual crítica forte aos meios de comunicação em nosso país, vistos por ele como “uma grande indústria de manipulações”.
Apesar de possuir descendência árabe, Carlos Latuff afirma que seus pensamentos nada têm a ver com sua família: “Muita gente pensa que é por causa da minha origem libanesa, pelo lado da minha avó, mas não é isso. Tem a ver com a solidariedade com os povos, sejam árabes, curdos ou de qualquer outro lugar. Considero-me um internacionalista”, disse Latuff à Agência Efe. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, iniciou sua carreira trabalhando em veículos da imprensa sindical, ao fim da década de 80. Mas foi só em 1998, após tomar conhecimento do movimento zapatista no México, que o cartunista passou a desenvolver trabalhos com viés ativista em questões que envolvem lutas sociais.
Em 1999, após visitar territórios de refugiados palestinos na Cisjordânia, Carlos Latuff tornou-se simpatizante da causa Palestina, assunto que passou a ser recorrente nos trabalhos do carioca. E rendeu-lhe até um prêmio: segundo a organização judaica Simon Wiesentha, Latuff é o terceiro maior antissemita (pessoa que tem aversão a judeus) do mundo, devido a sua postura contrária à ilegal ocupação israelense em territórios palestinos. Além do posto, recebeu ameaça de morte do grupo ligado ao Likud, partido de extrema-direita de Israel.
Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.
Nenhum comentário:
Postar um comentário