terça-feira, 5 de maio de 2015

1968: o ano que não acabou e não acabará (Por Thiago Muniz)

“Foi um ano muito especial. Um momento de uma sintonia mágica, misteriosa. [...] Achava que se podia mudar tudo através da ruptura, da revolução. A ironia da história é que eles [os jovens] não fizeram a revolução política, mas acabaram fazendo a revolução cultural”.

(Zuenir Ventura em entrevista à Revista Época em 2008)

Sinônimo de rebeldia e contestação, 1968 destacou-se numa década de transformações. ''É proibido proibir'' e ''paz e amor'' foram palavras de ordem de uma geração, nascida em plena Guerra Fria, que viveu os ''anos rebeldes''.

Na França, os estudantes protestaram contra as reformas educacionais, mas pediram também maior liberdade, criticando o conservadorismo. A repressão do governo gerou em maio as famosas ''barricadas do desejo'', particularizadas por unir estudantes e trabalhadores, que organizaram uma greve geral.

Acordos trabalhistas, férias e violência esvaziaram o movimento. Em junho, eleições gerais reafirmaram a força do presidente, o general De Gaulle, mas o exemplo francês se espalhou. Na então Tchecoslováquia, desde o início do ano, reformas pretendiam modernizar a economia e transformar o papel do Estado. Com apoio de intelectuais, operários e estudantes, o presidente Dubcek buscou uma via própria e mais humanizada de socialismo.

Esse reformismo encontrou na URSS de Brejnev o maior opositor. A fim de manter sua hegemonia no Leste Europeu, tropas do Pacto de Varsóvia invadiram o país. Terminava a ''Primavera de Praga'' sob repressão, mas os tchecos responderam com indiferença. Um grafite simbolizava isso nos muros da capital: ''Circo russo na cidade: não alimentem os animais''.

Nos EUA, os jovens aumentaram os protestos contra a participação na Guerra do Vietnã. A comunidade negra, frustrada com o assassinato do líder pacifista Martin Luther King, viu adiado seu grande ''sonho''. Os radicais ganharam espaço -Panteras Negras, Malcom X- e a questão racial continuou em aberto.

A utopia de liberdade e felicidade em 68, no socialismo ou no capitalismo, provam que o ''ano não terminou''.

Manifestações estudantis em Paris, movimentos antiguerra nos Estados Unidos, a utopia pela democracia em Praga, a luta pelo fim da ditadura no Brasil. Depois de 1968, o mundo nunca mais foi o mesmo e, embora nada tenha ocorrido da forma esperada, seus efeitos são sentidos até hoje

Se o século 20, o mais movimentado da história, teve um ponto em torno do qual transformações se concentraram como um enxame, esse momento foi certamente 1968. Foram, acima de tudo, 12 meses de ruptura.

No planeta todo, muitos estavam empolgados (outros, horrorizados) com a perspectiva de questionar heranças antigas e sagradas: patriotismo, coragem militar, estrutura social e familiar, lealdades ideológicas e legados culturais. Os que se deixaram levar pelo entusiasmo daquele ano sentiam que, enquanto um mundo morria, outro estava nascendo. E queriam de toda forma estar entre os parteiros.

O que eles não perceberam de cara, no entanto, é que nem todas as mudanças radicais estavam ao alcance da mão. Embora as relações raciais e sexuais, a situação da mulher, a cultura e a guerra nunca mais fossem as mesmas depois de 1968, o saldo desse ano amalucado não foi propriamente uma revolução, mas uma divisão – um abismo que talvez ainda separe as pessoas em dois campos difíceis de reconciliar.

“O mundo inteiro está vendo!” A chave para entender por que 1968 foi tão singular talvez apareça nesse slogan, gritado pelos estudantes americanos que apanhavam da polícia de Chicago durante a convenção do Partido Democrata na cidade.

O escritor americano Mark Kurlansky, autor de 1968 – O Ano Que Abalou o Mundo, aponta que, pela primeira vez na história, os meios de comunicação interligavam o planeta inteiro via satélite, ao vivo. Muitos governos viam a sucessão de protestos e rebeliões como prova de uma conspiração internacional. A explicação verdadeira para a sincronia, porém, era bem mais simples: os manifestantes tinham ficado sabendo uns dos outros pela TV.

A televisão, no entanto, era só um catalisador, diz Kurlansky. “Se eu tivesse que escolher um único fator como aquele que influenciou a geração de 1968, seria a Segunda Guerra Mundial, a qual, por sua vez, gerou a Guerra Fria”, diz. “Minha geração rejeitou a visão de um mundo dividido por duas superpotências armadas até os dentes.

Isso significa que 1968 foi diferente de 1967 ou 1969 por representar um crescendo dramático de acontecimentos, que começaram antes desse ano e continuaram depois dele.” Sua geração era a dos baby-boomers, jovens nascidos após o fim da Segunda Guerra, na maior explosão demográfica já ocorrida no Ocidente (o baby boom). Seus filhos – 75 milhões de pessoas só nos Estados Unidos – beneficiaram-se da prosperidade econômica nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, tornando-se a geração mais bem educada e rica de seus países natais.

Nunca tantos jovens tinham ido parar na universidade de uma vez só. Possuíam, portanto, condições ideais para consumir novos tipos de cultura de massa, formação para discutir política e interesse em levar uma vida diferente da de seus pais.

Como diz o jornalista Zuenir Ventura em seu livro 1968 – O Que Fizemos de Nós, é possível que no século 20 tenha havido outro ano igual ou mais importante que 1968. Mas nenhum foi tão discutido. Nas próximas páginas, os eventos mais marcantes do ano e a análise de especialistas sobre suas conseqüências no mundo atual.

30 de Janeiro

Hora de parar: Com a Ofensiva do Tet, americanos exigem o fim da Guerra do Vietnã


Pode-se dizer que 1968 começou para valer nos Estados Unidos em 30 de janeiro. A data marca o Tet, o início do Ano Novo lunar vietnamita, escolhido pelos guerrilheiros comunistas viet-congues para o início de uma ofensiva suicida contra o Vietnã do Sul e seu aliado ocidental, os Estados Unidos.

Com apenas 70 mil soldados (contra meio milhão de homens só entre as forças americanas), os vietcongues invadiram a embaixada americana em Saigon e ocuparam dezenas de cidades em nome do Vietnã do Norte, controlado pelos comunistas – ao todo, os ataques vietcongues atingiram 36 cidades do sul do Vietnã entre 30 de janeiro de 1968 e junho do ano seguinte. A embaixada dos Estados Unidos foi retomada depois de um combate curto, mas bastante sangrento.

Como o poder bélico americano era infinitamente mais forte do que o dos comunistas, as cidades ocupadas foram retomadas em poucos dias. O Vietnã do Norte operava uma guerra de guerrilha, com ataques-surpresa e túneis subterrâneos, por onde os vietcongues movimentavam-se e transportavam materiais sem serem notados. Muitos soldados usavam nos combates facas caseiras, mas a China e a União Soviética, que apoiavam os comunistas, providenciaram também para os guerrilheiros submetralhadoras AK-47 e mísseis com capacidade para derrubar helicópteros.

Após a Ofensiva do Tet, os viet-congues perderam tantos homens que, na prática, deixaram de existir como força de combate independente. Não que isso tenha importado muito: a ofensiva foi, para os comunistas, uma vitória de propaganda estrondosa.

A imprensa ocidental mostrou soldados americanos com aparência desorientada, morrendo aos montes, além de revelar imagens chocantes de guerrilheiros capturados e desarmados sendo mortos com tiros na cabeça. Foi o suficiente para que o movimento contra a guerra ganhasse força. Por isso, a Ofensiva de Tet é considerada pelos especialistas o começo da derrota americana na Guerra do Vietnã.

O início do movimento que culminou nos protestos antiguerra nos Estados Unidos foi pequeno, tímido, apoiando-se na base da esquerda do fim dos anos 50 e começo dos 60, que incluía os movimentos pelos direitos civis e trabalhistas. Isso significa que, quando amadureceu, a coalizão antiguerra passou a incluir os grupos que defendiam igualdade racial e justiça social (não por acaso, já que americanos negros e pobres eram os mais atingidos pelo recrutamento compulsório para o Vietnã), bem como estudantes universitários que atingiam a idade militar.

Alguns especialistas acreditam que a oposição maciça dos jovens à guerra também possa ter vindo de uma sensação generalizada de impotência. As instituições nas quais a juventude estava inserida (como universidades, igrejas e até mesmo locais de trabalho) eram muito mais hierarquizadas do que atualmente. A idade mínima para votar nas eleições dos Estados Unidos, por exemplo, era de 21 anos (só cairia para 18 em 1971), embora com três anos menos os jovens de sexo masculino já estivessem aptos a lutar na guerra.

A oposição à luta no Vietnã mobilizou os campi das principais universidades do país, levando à invasão de prédios e ao cerco a instalações universitárias que faziam pesquisa militar. Alguns jovens em idade de servir às Forças Armadas preferiam ir para a cadeia a serem mandados para o Sudeste Asiático, enquanto outros se dispunham a cruzar a fronteira canadense para escapar – muitos deles acabariam tornando-se cidadãos canadenses e nunca mais voltariam aos Estados Unidos.

Os mais extremistas passaram a ver os vietnamitas como heróis e a demonizar as forças americanas, pintadas como assassinas imperialistas. Os manifestantes gritavam slogans nos protestos com rimas: “Hell, no, we won’t go!” (Diabos, não, nós não vamos!) ou “Ho, Ho, Ho Chi Minh, NLF is gonna win” (Ho, Ho, Ho Chi Minh, os vietcongues vão vencer), referido-se a Ho Chi Minh, o líder dos comunistas.

Após a Ofensiva do Tet, as forças americanas, sentindo-se acuadas por um inimigo que parecia suicida ao extremo, acabaram também perdendo o autocontrole em várias ocasiões, atacando sem remorso a população civil do país. A mais emblemática dessas explosões foi o massacre de My Lai, em que 504 aldeões do vilarejo de mesmo nome, mesmo desarmados e sem abrigar guerrilheiros, foram mortos a sangue frio por ordem expressa de oficiais americanos. Episódios assim só faziam a antipatia da população em relação ao conflito crescer.

Os Estados Unidos só sairiam da guerra travada no Sudeste Asiático em 1973, após anos de conflito entre manifestantes e a polícia e dezenas de milhares de mortes de soldados dos dois lados (a Guerra do Vietnã, porém, acabaria mesmo dois anos mais tarde). Também em 1973, os americanos acabaram com a convocação compulsória para o serviço militar e transformaram suas Forças Armadas numa estrutura totalmente voluntária.

Assim, de uma vez só, o governo americano atendeu às demandas do movimento antiguerra e enfraqueceu a futura oposição interna a conflitos, já que os universitários americanos de classe média não eram mais forçados a participar deles. Muitos pesquisadores acreditam que esse tenha sido provavelmente o principal motivo pelo qual não há uma oposição de massa contra a guerra no Iraque hoje.

Post-scriptum: Desilusão com as instituições

"A Ofensiva do Tet teve um impacto importante na opinião pública americana – foi vista (e continua sendo) como o começo da virada. O episódio convenceu muitos moderados de que a guerra era invencível. Era a hora de questionar os relatórios oficiais do governo sobre a guerra. A falta de confiança no governo não provocou – mas certamente ampliou – a tendência ao ceticismo e à desilusão com as instituições do Estado que caracteriza tanto a esquerda quanto a direita americanas até hoje. Está absolutamente claro que o fim da Guerra do Vietnã mudou substancialmente a imagem dos militares pelos americanos, assim como as relações entre os cidadãos e as Forças Armadas. Os militares passaram a não mais refletir os valores culturais dos Estados Unidos como um todo, tornando-se muito mais cristãos e muito mais republicanos que o resto do país. Os participantes dos movimentos antiguerra trilharam caminhos diferentes. Os da esquerda ficaram mais pacifistas. Os moderados aprenderam a evitar intervenções internacionais. Já os conservadores concluíram que essa postura poderia enfraquecer e limitar a habilidade dos militares de agir no exterior e caminharam no sentido de isolar o militarismo da opinião pública."

Chris Capozzola é historiador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e especialista em Guerra do Vietnã.

4 de Abril

Morte do herói: Sem Martin Luther King, movimento negro americano ficou menos pacifista


Depois de hesitar muito, o maior líder negro americano, Martin Luther King, abraçara a luta contra a Guerra do Vietnã. A causa da dúvida era o medo de que os negros americanos fossem acusados de antipatrióticos. Sobre o conflito, King dissera: “Precisamos deixar claro que não toleraremos mais, não votaremos mais em homens que continuam a considerar as mortes de vietnamitas e americanos como a melhor maneira de promover a liberdade e a autodeterminação no Sudeste Asiático”.

A luta dele contra o racismo começara havia mais de 15 anos. Já nos anos 50 o pastor batista estava engajado em movimentos pelos direitos dos negros. Em sua trajetória, elaborou discursos belíssimos e conseguiu que fosse aprovada a Lei dos Direitos Civis (em 1963), que transformava a legislação segregacionista americana em algo inconstitucional, e, em 1965, que os negros tivessem direito ao voto. Ao mesmo tempo, recebia ameaças de morte, era perseguido pelo FBI e sofria de depressão.

Em 1965, King já tentara se engajar na luta pelo fim da Guerra do Vietnã, mas foi atacado por amigos e oposição, que não queriam que ele se metesse nessa briga. Mas, em 1968, King combinou a luta contra o racismo com o ativismo contra a guerra e as desigualdades sociais. O pastor tinha ido para Memphis, no Tennessee, em 4 de abril, para apoiar uma greve de lixeiros. Desiludido com o sonho de um país mais justo e com direitos iguais, começou a escrever o discurso “Por que a América deve ir para o inferno”. Com o sermão inacabado, conversava na sacada do Lorraine Motel quando levou um tiro no pescoço, às 18h01. Morreu uma hora depois, no hospital. O assassino, o branco James Earl Ray, foi preso dois meses depois, mas o crime nunca foi esclarecido.

O movimento que tinha em Martin Luther King Jr. seu grande ídolo já estava rachando havia pelo menos dois anos. Outros líderes, como Stokely Carmichael, um intelectual radical nascido em Trinidad e Tobago, estavam falando em “Poder Negro” e estruturando o grupo rebelde dos Panteras Negras, deixando de lado a ideologia não-violenta do pastor King e buscando o confronto com o governo e com os brancos. “Agora que levaram o doutor King, está na hora de acabar com essa merda de não-violência”, desabafou Carmichael, depois daquele 4 de abril.

Os líderes dos Panteras Negras não pegavam leve. Os mais moderados exigiam o ensino da história dos negros americanos e de suas lutas políticas em escolas e universidades. Os radicais defendiam uma espécie de nacionalismo negro, no qual os afro-americanos tomavam o poder que lhes havia sido negado – embora ninguém dissesse exatamente qual “Estado” seria criado no lugar dos Estados Unidos “branco”.

Nessa onda de radicalismo, os defensores do Poder Negro tentavam encontrar a arte, a moda e até os cortes de cabelo genuinamente africanos. Ao lado dessas preocupações quase sempre inofensivas, alguns intelectuais do movimento defendiam a criação de organizações paramilitares e até o estupro de mulheres brancas (uma forma de revidar os séculos de dominação sexual exercida pelos homens brancos sobre mulheres negras). Ao mesmo tempo, os Panteras Negras exigiam que os afro-americanos ficassem isentos do serviço militar – afinal, não teriam razões para lutar por um país que os oprimia. É claro que os recrutadores não engoliram a idéia.

Apesar dos confrontos raciais que se seguiram em muitas das principais cidades americanas, e da repressão muitas vezes brutal da polícia, a ação de Martin Luther King e seus companheiros acabou revertendo de vez a segregação racial institucionalizada nos Estados Unidos. A política de ação afirmativa nas universidades criou uma classe média negra relativamente rica e poderosa. Embora haja tensão racial difusa nas grandes metrópoles americanas, pode-se dizer que é graças aos acontecimentos de 1968 que o negro Barack Obama é hoje um dos principais candidatos a presidente dos Estados Unidos.

Convenções Desafiadas
Fatos que marcaram a cultura em 1968

• Jimi Hendrix lança, em 10 de janeiro, seu segundo disco, Axis: Bold as Love

• Na Índia, em fevereiro, os Beatles encontram Maharishi Mahesh Yogi e popularizam a técnica da meditação

• Em 6 de abril, Stanley Kubrick lança o clássico da ficção científica 2001, Uma Odisséia no Espaço

• Também em abril estréia o musical hippie Hair, na Brodway, com nudez e apologia às drogas

• Em maio, estréia no Brasil O Bandido da Luz Vermelha, marco do cinema marginal

• Após recusar um roteiro da feminista Valerie Solanas, Andy Warhol leva um tiro dela e é internado

• Em julho, radicais de direita espancam atores da peça Roda Viva, de Chico Buarque

• No mesmo mês, chega ao mercado o disco Tropicália ou Panis et Circensis, com uma mistura de ritmos

• Em 7 de setembro, mulheres protestam em pleno concurso de Miss Estados Unidos

• Em setembro, Geraldo Vandré é preso após cantar “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” no Festival Internacional da Canção da TV Globo

• Ainda no mesmo mês, Caetano Veloso é vaiado no Festival ao cantar “É Proibido Proibir” e diz que o povo não estava entendendo nada

• Estranhamente, os Beatles e seu White Album, lançado em novembro, pediam moderação

Post-scriptum: Inspiração para mudanças radicais

"1968 foi um ano em que uma geração de estudantes e trabalhadores nascidos durante e imediatamente após a Segunda Guerra desafiaram o status quo no mundo da Guerra Fria – particularmente as universidades, a polícia e o Exército. Estudantes negros abraçaram o orgulho racial e figuras separatistas ou militantes anti-racismo como Malcolm X e Martin Luther King. A geração de 68 que hoje ocupa importantes cargos em universidades, governos, partidos políticos, literatura e indústria do entretenimento seria provavelmente muito menos inspirada a devotar suas vidas e seus sonhos a mudanças radicais se 1968 não tivesse existido. O assassinato de Martin Luther King foi um colapso terrível. Ele era um homem carismático, indiscutivelmente um dos líderes mais radicais que vimos no século 20. A desilusão que se seguiu a sua morte causou danos incalculáveis às esperanças que aquela geração tinha de ver tempos melhores. Hoje, Barack Obama é apresentado como representante da nova geração e daqueles que desejam transcender as ácidas divisões raciais, culturais e políticas que herdamos dos anos 60 – divisões que Reagan e os Bush exploraram para desacreditar o liberalismo e as questões raciais daquela década. Mas eu acredito que o apelo de Obama é estruturado em alguns daqueles grandes desejos de 1968, apesar de ele expressá-los em termos muito patrióticos – termos que eram rejeitados em 1968."

James Green é historiador da Universidade de Yale especializado em movimentos civis da década de 1960.

15 de Maio

Barricadas francesas: Manifestações estudantis de maio pretendiam tirar De Gaulle do poder


Charles de Gaulle, o presidente da França na época, deve ter mordido a língua infinitas vezes depois de declarar “saúdo o ano de 1968 com serenidade” em seu discurso de Ano Novo à nação. Serenidade era tudo o que a França não teria naquele ano. As manifestações no país começaram já em janeiro por motivos relativamente banais, ligados à falta de voz dos estudantes nas universidades e à exigência de dormitórios mistos na Universidade de Nanterre, no subúrbio de Paris. No entanto, a reação brutal da polícia aos protestos fez os universitários ficarem cada vez mais irredutíveis, sob a batuta de líderes como Daniel Cohn-Bendit, ou “Dany, o Vermelho” (por causa do cabelo ruivo, já que ele estava longe de ser comunista).

Cohn-Bendit dominava dois grandes talentos da geração de 1968: língua afiada e respeito zero pela autoridade. Em um dos primeiros protestos, teria pedido ao ministro da Juventude, enviado ao local para negociar com os estudantes, que acendesse seu cigarro. Em seguida, disparou: “Senhor ministro, li seu informe sobre a juventude. Em 300 páginas, não há uma só palavra sobre questões sexuais”. O ministro, tentando ser divertido, respondeu que não era de admirar que um sujeito feio como Dany estivesse preocupado com essas coisas. A tréplica veio fulminante: “Ora, aí está uma resposta digna do ministro da Juventude de Hitler”.

Esse era o estilo de Cohn-Bendit e companhia, que, mais do que apenas reivindicações políticas, queriam que a conservadora sociedade francesa fosse renovada de cima a baixo. Não é à toa que os rebeldes franceses de 1968 estão entre os melhores criadores de slogans revolucionários da história. Entre eles: “Decreto um permanente estado de felicidade”, “Sou marxista da facção do Groucho” (em referência ao comediante Groucho Marx, e não ao filósofo e crítico ferrenho do capitalismo Karl Marx), “A imaginação toma o poder”. Uma pichação famosa da época mostra a sombra de Charles de Gaulle amordaçando um rapaz, com os dizeres: “Seja jovem e cale a boca”.

No mês de maio as coisas ficaram mais pesadas. Em poucos dias, as exigências dos estudantes passaram a encampar a renúncia de Charles de Gaulle (que representava a França conservadora odiada por eles) e eleições gerais. Dia após dia, Paris era palco de combates intermitentes entre a polícia e os manifestantes, armados de pedras – quase todas retiradas do calçamento do charmoso bairro estudantil, o Quartier Latin – e coquetéis molotov. Barricadas eram preparadas diariamente nas ruas, atrás das quais os manifestantes se entrincheiravam. Num dos episódios mais violentos, na noite de 24 de maio, a polícia respondeu às pedradas com bombas de gás lacrimogênio e muita pancadaria.

Os conflitos trouxeram à tona algumas das piores divisões internas da França, como o fantasma do anti-semitismo. Cohn-Bendit e outros líderes revoltosos eram judeus. O primeiro teve de ouvir de um policial: “Amiguinho, você vai pagar. Uma pena não ter morrido em Auschwitz com seus pais, porque isso nos livraria do aborrecimento de fazer o que faremos agora”.

Uma greve geral em apoio aos estudantes, iniciada em 18 de maio, levou cerca de 10 milhões de pessoas a cruzarem os braços por três dias – nenhuma revolta juntou tanta gente na história. O presidente francês chegou a se refugiar numa base militar na Alemanha, mas retomou o controle ao oferecer um aumento de 35% no salário mínimo (um bom jeito de fazer os operários abandonarem os estudantes) e convocar eleições legislativas gerais às pressas. “Os operários e os estudantes, no fundo, nunca estiveram juntos”, disse mais tarde Cohn-Bendit. “Os operários queriam uma reforma radical das fábricas. Os estudantes queriam uma mudança radical de vida.”

Nas eleições organizadas por Charles de Gaulle, os partidários do presidente, visto no fim das contas como alguém que conseguira restabelecer a paz, acabaram vencendo – e os protestos estudantis, assim, se esgotaram, com as últimas universidades desocupadas pelos manifestantes em meados de junho. Muitos dos estudantes foram imediatamente convidados a escrever livros relatando sua breve experiência revolucionária. Cohn-Bendit, que tinha dupla nacionalidade (francesa e alemã), foi expulso do país e mudou-se para a Alemanha. Só teve permissão para voltar à França dez anos mais tarde.

Post-scriptum: Não existe um pensamento único

"Não há um pensamento de Maio de 68, mas uma nebulosa de correntes. A crítica de 68 se deslocou em três vertentes intelectuais e políticas. A primeira é a do retorno do liberalismo, que se desenvolveu no fim dos anos 70. Mas as duas correntes liberais na França são opostas a 68. De um lado, há uma corrente liberal libertária, cujo discurso, em geral, diz que em 68 há um certo número de coisas a recuperar: a fragilização de formas verticais de autoridade, o enfraquecimento do Estado central, a crítica do gaulismo. Uma outra linha neoconservadora, muito mais crítica frente a Maio de 68, é mais ligada ao quadro tradicional da sociedade. Houve ainda uma crítica forte do Partido Comunista Francês, visando não o movimento operário de 68, mas sim contra o 68 estudantil. Além disso, no ano passado Daniel Cohn-Bendit fez comentários após declarações do então candidato à presidência Nicolas Sarkozy, que criticou o movimento. Cohn-Bendit cometeu uma falta política ao dizer que passear no iate de um magnata e desfilar com uma top model (a mulher de Sarkozy, a terceira, é ex-modelo e cantora) seria um comportamento da geração de 68. Esse é o discurso anti-68, o mais tolo. Porque não creio que o ideal de Maio de 68 é o de se exibir ao lado de uma modelo."

Serge Audier é mestre em Filosofia Moral e Política na Universidade de Sorbonne e autor do livro La Pensée Anti-68 (“O pensamento anti-68”, inédito em português).

5 de Junho

Carisma nas eleições: Assassinato do senador Robert Kennedy levou conservador Nixon à presidência


Época de eleições presidenciais nos Estados Unidos. O ocupante da Casa Branca, Lyndon Johnson, do Partido Democrata, era o favorito até anunciar, em 31 de março, que não tentaria a reeleição. As primárias democratas viraram, então, um duelo entre dois candidatos contra a Guerra do Vietnã: o cerebral Eugene McCarthy e o carismático senador Robert Kennedy, irmão do presidente assassinado John Kennedy.

Além da mítica dos Kennedy, Bobby tinha a seu lado um programa reformista que, ao menos como promessa de campanha, encampava exigências do movimento negro e dava prioridade à população carente e ao ataque à desigualdade social. Era um católico fervoroso que levava a proibição do uso de anticoncepcionais tão à risca que teve 11 filhos com a mulher, Ethel, mas usava a doutrina social da Igreja como forma de conclamar os americanos a acabar com a exploração econômica no país.

Com apenas 42 anos, Kennedy conseguia empolgar até os estudantes revolucionários com seu discurso idealista, que criticava a obsessão dos Estados Unidos com o crescimento econômico a qualquer custo. Dá para imaginar, por exemplo, George W. Bush dizendo que o PIB é menos importante do que parece? Pois foi o que Bobby afirmou em um de seus mais famosos discursos: “Não encontraremos nem um propósito nacional nem satisfação pessoal numa mera continuação do progresso econômico. Não podemos medir a realização nacional pelo Produto Interno Bruto. Pois o PIB (...) cresce com a produção de napalm, mísseis e ogivas nucleares. Ele mede tudo, em suma, menos o que torna a vida digna de ser vivida”.

Não dá para saber se essa retórica iria transformar-se em ação, mas Bobby parecia apoiar suas palavras com atos simbólicos, colocando-se ao lado de Martin Luther King ou dos trabalhadores rurais de origem mexicana que lutavam por melhores salários e condições de trabalho na Califórnia. Quando King foi assassinado, Bobby fez um discurso emocionado em homenagem ao líder negro, pedindo união e compaixão para os americanos. Indianápolis, a cidade onde ele estava nesse dia, coincidência ou não, não sofreu com depredações feitas pela população negra que se seguiram ao crime, como outras metrópoles americanas.

Mas, antes que sua plataforma pudesse ser testada, Bobby Kennedy, após vencer as primárias na Califórnia, morreu com os tiros disparados pelo palestino Sirhan Sirhan, que tinha raiva do apoio do candidato a Israel, no Hotel Ambassador, em Los Angeles, em 5 de junho. Tanto Kennedy quanto McCarthy haviam prometido acabar com a Guerra no Vietnã se eleitos. Com Bobby morto e McCarthy sem coragem para continuar sua campanha para valer, a oposição estudantil ao conflito ficou politicamente órfã – e acabou tornando-se mais radical, disposta a bagunçar o processo eleitoral americano.

Foi nesse clima que milhares de jovens se reuniram em Chicago para protestar durante a convenção do Partido Democrata, entre 26 e 29 de agosto. Os manifestantes, entre outras coisas, quiseram indicar “Mister Pigasus”, um porco, como candidato a presidente e plantaram uma bandeira dos vietcongues no parque da cidade. As provocações levaram a polícia a descer o sarrafo em todos os que se encontravam nas ruas, bem diante das câmeras de TV. No fim das contas, os democratas indicaram o vice-presidente Hubert Humphrey como candidato. Humphrey foi vencido pelo republicano Richard Nixon, cuja campanha apelava para a “maioria silenciosa” de americanos que via os manifestantes como baderneiros antipatrióticos. A campanha de 1968 acabou com o domínio dos democratas e dos liberais na política americana. Depois daquele ano, dos sete presidentes americanos, só dois seriam democratas: Jimmy Carter e Bill Clinton.

Feitos em órbita

Os acontecimentos que marcaram a ciência e o esporte

• Christiaan Barnard realiza o primeiro transplante bem-sucedido do coração em 2 de janeiro na África do Sul

• No mesmo mês, a IBM anuncia mais velocidade na memória cache, componente do PC que processa informações

• O boxeador Muhammad Ali recusa-se a se alistar para lutar no Vietnã

• A primeira ligação para o sistema de emergência 911 é feita em fevereiro

• Em 24 de agosto, a França torna-se a quinta potência a explodir a bomba de hidrogênio

• O primeiro caixa eletrônico de banco moderno é criado em 20 de setembro por um americano. Além de disponibilizar dinheiro, o equipamento fornecia extrato e transferia quantias

• A fabricante de aviões Boeing apresenta em público pela primeira vez, em setembro, o 747-100, o Jumbo

• Às 11h02 de 11 de outubro, é lançada a Apollo 7, a primeira missão tripulada do projeto Apollo da Nasa

• Nas Olimpíadas do México, em 15 de outubro, dois atletas negros, Tommie Smith e John Carlos, vestem luvas pretas no pódio para receber suas medalhas e levantam os punhos cerrados do movimento dos Panteras Negras

• Na véspera de Natal, a nave Apollo 8 e seus tripulantes, os americanos Frank Borman, Jim Lovell e William A. Anders, tornaram-se os primeiros a entrar na órbita da Lua e ver seu lado oculto o satélite natural da Terra. Os três se revezaram lendo em voz alta os dez primeiros versículos do Gênese, o relato da criação do mundo na Bíblia

Post-scriptum: É proibido sonhar

"Quarenta anos depois da morte de Robert Kennedy, nós temos uma dívida interna enorme (cerca de 9,8 trilhões de dólares), uma ocupação debilitada em um país árabe, déficits monetários escancarados com o resto do mundo, um problema econômico devido à desregulação e à privatização descuidadas e um governo que parece não querer ou não conseguir enfrentar nenhuma das nações que mais insistem em causar problemas. Toda essa inaptidão e corrupção parecem ser naturais sob o regime dos republicanos porque a direita nunca realmente acreditou no poder do governo em fazer nada positivo. Baby-boomers como George W. Bush, que estavam balançando a bandeira americana quando a maior parte de sua geração protestava contra a guerra, criaram a pior bagunça para a nação desde pelo menos a Guerra Civil. Há uma relativa calma em 2008, mesmo com uma guerra no exterior nada popular, porque a cínica marca política conservadora de dividir-e-conquistar desmoralizou possíveis idealistas. ‘O idealismo está morto’, dizem os republicanos em uníssono. Melhor empilhar bens materiais e ser consumidores obedientes que agir como cidadãos politicamente engajados. Pelo menos em 1968 os jovens tinham esperança e podiam sonhar com um planeta e com um futuro melhor. Não dá para ignorar o estrago ao país feito pelos ‘heróis conservadores’."

Joseph Palermo é historiador da Cornell University e autor de Robert F. Kennedy and the Death of American Idealism (“Robert F. Kennedy e a morte do idealismo americano”).

20 de Agosto

Primavera cancelada: Tentativa de democratizar o comunismo fez Praga ser invadida


Um dirigente tímido e afável tornou-se, em 5 de janeiro de 1968, primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia. Seu nome era Alexander Dubcek, e ele ficaria conhecido como o arquiteto da Primavera de Praga – uma tentativa corajosa, mas ingênua, de criar uma sociedade comunista e democrática ao mesmo tempo, espécie de “desestalinização” do sistema que predominava no país.

Dubcek vinha de uma família de entusiastas idealistas do socialismo e tinha até morado com os pais no território do atual Quirguistão, então o recanto mais atrasado da União Soviética, como prova da disposição da família em colaborar com o comunismo. Por tudo isso, Dubcek achava que suas credenciais pró-Rússia eram impecáveis e que os dirigentes da superpotência comunista jamais pensariam que ele fosse um traidor do socialismo.

Perto dos cidadãos de outros países comunistas da Europa Oriental, tchecos e eslovacos sofriam menos com a censura da imprensa, tinham mais liberdade artística e conseguiam viajar ao Ocidente com mais facilidade. Não era difícil encontrar jovens cabeludos e barbudos, fumando maconha e ouvindo Beatles, nas ruas de Praga.

Essa liberalização incipiente gerou um apetite por mais reformas, e o primeiro-secretário se dispôs a responder a ele. “Dubcek decidira fazer uma reforma profunda na estrutura política do país, com a intenção de remover todos os vestígios do autoritarismo que ele considerava uma aberração no sistema socialista”, escrevem Regina Zappa e Ernesto Soto, autores do recém-lançado 1968 – Eles Só Queriam Mudar o Mundo. Sob Dubcek, a imprensa se tornou a mais livre de todo o bloco soviético, com reportagens denunciando a corrupção de antigos líderes do Partido Comunista e vários correspondentes ocidentais circulando pela capital, Praga. Foram traçados planos para estabelecer o multipartidarismo e para dar autonomia aos eslovacos, a etnia de Dubcek.

A União Soviética, no entanto, não gostou nada daquilo. Dubcek sempre jurou lealdade aos russos, mas ficava no fogo cruzado entre os aliados poderosos e seu povo, cada vez mais apressado em suas exigências de mudança. “Por que fazem isso comigo? Não percebem quanto dano me causam?”, queixou-se ele a um companheiro de governo, referindo-se à pressão exercida pelos tchecoslovacos. Em agosto, a tensão acabou dando lugar ao confronto: forças soviéticas invadiram a Tchecoslováquia. Dubcek recebeu a notícia chorando de incredulidade. “É uma tragédia. Não esperava que isso pudesse acontecer. Dediquei toda a minha vida à cooperação com a União Soviética e fizeram isso comigo”, disse à chefia do Partido Comunista tcheco.

A população do país tentou resistir de forma não-violenta, deitando-se na frente de tanques, escrevendo frases provocativas nas paredes (“O circo russo chegou à cidade. Não alimente os animais”) e transmitindo ao mundo, por rádio, o que estava acontecendo.

Dezenas de estudantes e cidadãos comuns que eram a favor das reformas se arriscaram a lançar coquetéis molotov nos veículos blindados russos, sendo sumariamente fuzilados – ao todo, foram 72 mortos e 702 feridos. Outros, ingenuamente, tentavam argumentar com os soldados invasores e convencê-los de que deveriam voltar para casa. Até países comunistas que andavam se distanciando da influência da União Soviética, como a Iugoslávia e a Romênia, condenaram a invasão de uma nação aliada dos soviéticos.

Não adiantou: os russos e os quatro países que os apoiavam na invasão mantiveram a pressão e levaram toda a cúpula do Partido Comunista tchecoslovaco para Moscou. A desculpa oficial era uma negociação. Mas, na prática, os russos colocaram os “aliados” em prisão domiciliar e chantagearam os dirigentes do país para que eles repudiassem publicamente as reformas.

A União Soviética, no entanto, não tinha levado em conta a teimosia quase inabalável dos tchecoslovacos. Mesmo com o país ocupado, o presidente Ludvik Svoboda recusava-se a assinar um documento apoiando oficialmente a invasão orquestrada pelos soviéticos. Comunista da velha guarda, Svoboda estava convencido de que seria possível chegar a um acordo se a chefia soviética topase sentar-se à mesa com os que haviam sido um dia seus aliados.

Dubcek e companhia mostraram-se duros na queda e ousaram defender as reformas diante do líder soviético Leonid Brezhnev. É claro que foram vencidos e forçados a desfazer a Primavera de Praga (que já tinha esse nome na época basicamente porque durou toda a primavera do Hemisfério Norte). Mas saíram de Moscou com duas conquistas importantes: seus pescoços ainda estavam intactos e não houve expurgo assassino na Tchecoslováquia.

Post-scriptum: Começo do fim do comunismo

"A Primavera de Praga pertence ao principal ponto de referência da história moderna tcheca. Muitos dos participantes do movimento político foram excluídos da sociedade. Eles estabeleceram milícias dissidentes, promoveram os direitos humanos e organizaram movimentos civis nos anos 70 e 80. Seus representantes estiveram envolvidos em diversas ações a partir daí, como o processo de democratização no começo dos anos 90. Mas eles ficaram sob fogo e foram substituídos pela geração mais nova de recentes pragmáticos comunistas e tecnocratas. Nos últimos anos, a possível base do plano de Defesa Nacional de Mísseis dos Estados Unidos passou a ser comparada à ocupação soviética após 1968. A Primavera de Praga de 1968 representa a parte integral do desenvolvimento da sociedade civil transnacional e da transformação da esfera pública no século 20. A invasão das tropas soviéticas na Tchecoslováquia definitivamente dividiu o movimento comunista mundial e emancipou partidos de esquerda específicos da supervisão de Moscou. Um dos mais importantes marcos foi quando Mikhail Gorbachev discutiu os objetivos da reforma perestroika na Rússia em 1987 – que, em comparação com a Primavera de Praga, estava 20 anos atrasada."

Zdenek Nebrensky é historiador formado pela Charles University, de Praga, na atual República Tcheca, e especialista em movimentos estudantis dos anos 60.

26 de Junho

Ditadura escancarada: Greves generalizadas e ações da esquerda marcaram o ano do AI-5


A situação esquizofrênica do Brasil em 1968 fazia do país uma verdadeira bomba-relógio. Como quase todos os países ocidentais, havia por aqui uma população estudantil numerosa, que abraçara o ativismo político radical. Do outro lado, havia o governo de uma ditadura militar, um inimigo arquetípico que precisava ser derrubado. Por isso, a repercussão de cada confronto era cada vez mais virulenta e sombria.

Alguns grupos de esquerda no país já tinham decidido que a oposição democrática não era mais viável e partiram para a guerrilha urbana. Numa das ações mais ousadas daquele ano, integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária invadiram um hospital militar de São Paulo em 22 de junho e, quatro dias depois, carregaram uma caminhonete com 50 quilos de explosivos, fazendo com que ela atingisse um quartel do Exército, matando um soldado e ferindo outros seis.

No mesmo mês, uma passeata que reuniu mais de 100 mil pessoas, organizada pelo movimento estudantil, mas contando também com a participação de setores da Igreja e da sociedade civil, tomou as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra a ditadura. Embora dois estudantes já tivessem sido mortos em confrontos com a polícia durante aquele ano, o clima da chamada Passeata dos Cem Mil esteve mais para o festivo. Uma chuva de papel picado caiu sobre os participantes do protesto e cinco estudantes acabaram presos.

A partir daí, no entanto, houve um crescendo de confrontos cada vez mais violentos. Uma greve de operários em Osasco, na Grande São Paulo, fez com que a cidade fosse sitiada durante seis dias pelos militares, a partir de 16 de junho. Em outubro, novos confrontos envolvendo facções da direita e da esquerda, dessa vez entre os estudantes, degringolaram em uma batalha campal entre alunos da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, ambas localizadas no centro de São Paulo.

A coisa começou com meras agressões verbais entre esquerdistas da USP e anticomunistas do Mackenzie, mas a escalada da briga passou a contar com rojões, paus, pedras, coquetéis molotov, vidros com ácido sulfúrico e até tiros – um estudante do lado da USP acabou morrendo. No mesmo mês, o congresso (clandestino) da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, São Paulo, foi invadido pela polícia, que levou para a cadeia cerca de 900 estudantes. Os pais dos jovens presos, alguns dos quais funcionários públicos, também foram perseguidos pela repressão.

Os desafios ao regime militar, contudo, também tinham uma cara institucional: a do deputado Márcio Moreira Alves, para ser mais exato. Membro de um Congresso que ainda se considerava independente, Alves criticou em termos duros e irônicos a repressão aos movimentos de oposição e chegou a sugerir que as jovens brasileiras não namorassem mais oficiais do Exército.

O governo militar respondeu à polarização do país e ao gracejo de Alves esmagando o que restava das liberdades civis no Brasil – não sem uma última resistência do Congresso, que se recusou a suspender a imunidade parlamentar do deputado a pedido das autoridades. Em 13 de dezembro, o Ato Institucional número 5 concedeu poderes praticamente ilimitados ao presidente da República para dissolver o Congresso, retirar direitos políticos e civis de dissidentes e até confiscar seus bens. “Salvamos a democracia”, declarou o presidente Arthur da Costa e Silva na televisão. O deputado Alves foi cassado após o AI-5 e exilou-se.

A repressão, no entanto, só conseguiu fazer com que a oposição clandestina e violenta no Brasil recrudescesse, pelo menos por algum tempo. Guerrilhas urbanas e rurais tentaram, sem sucesso, contra-atacar os militares no fim dos anos 60 e começo dos anos 70. Todas elas foram derrotadas, mas a mística que surgiu em torno da resistência brasileira à ditadura em 1968 acabaria virando o modelo da luta pela redemocratização do país.

Post-scriptum: Fizeram a revolução comportamental

"O regime militar no Brasil estava procurando um pretexto para se fechar antes de 1968, antes que houvesse um acirramento da contestação entre os jovens ou o surgimento das guerrilhas de esquerda. O fato é que, dentro do regime, havia duas forças em luta. Uma era mais liberal. Já a outra preferia o fechamento. A chamada linha dura acabou ganhando. Por isso, o Ato Institucional 5 teria acontecido de qualquer jeito, mesmo se não houvesse protesto nenhum em 1968. Aquela geração tinha um voluntarismo muito grande, um espírito de ‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer’.

Evidentemente, isso não aconteceu. A idéia de que haveria uma revolução, que de uma hora para a outra o mundo ia virar de pernas para o ar, estava errada. Eles não fizeram a revolução política. Mas acabaram fazendo a revolução comportamental. Não é por acaso que os ideais de solidariedade, de levar em consideração as minorias – por exemplo, os movimentos sociais, os movimentos gay, feminista e ecológico –, muito presentes atualmente, são conquistas que começaram em 1968. Essa é a grande herança positiva para a geração atual. Mas há também um legado maldito que a geração de 1968 deixou para os jovens atuais. O principal é a ilusão de que as drogas fossem um instrumento de ampliação da consciência, quando, na verdade, eram a morte."

Fonte de Pesquisa

1968 – O Ano Que Abalou o Mundo, Mark Kurlansky, José Olympio Editora, 2005

Quadro completo dos principais acontecimentos do ano fatídico no mundo todo, com detalhes interessantes sobre os países do bloco comunista. Falta só uma cronologia.

Boom!, Tom Brokaw, Random House, 2007

O autor examina a geração de 1968 no contexto dos anos 1960. Há ótimos depoimentos de famosos e anônimos em primeira pessoa, mas apenas americanos falam.

1968 – O Ano Que Não Terminou e 1968 – O Que Fizemos de Nós, Zuenir Ventura, Planeta, 2008

Zuenir lança uma caixa com os dois livros: o primeiro, lançado há 20 anos, e o segundo, inédito – este traz uma avaliação, quatro décadas depois, dos efeitos de 1968.


BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.



































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Thiago Muniz é colunista do blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor, do blog Eliane de Lacerda e do blog do Drummond. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.



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