Sinto por Zumbi, que foi perseguido e morto por resistir à escravidão.
Sinto por Dandara, tão importante quanto ele, mas ignorada pela história oficial, já que era mulher e negra.
Sinto por Herzog, torturado e morto na ditadura militar.
Sinto pelos milhões de índios assassinados e tirados de suas terras desde Cabral.
Sinto por cada LGBT espancado, morto ou ofendido apenas por serem quem são.
Sinto por cada LGBT espancado, morto ou ofendido apenas por serem quem são.
Sinto também pelos iludidos, pois estes sentem o medo daquilo que desconhecem e perderam (ou talvez nunca tiveram) a empatia por aqueles que não têm o privilégio de estarem na elite, na branquitude, na heteronormatividade, no corpo ideal e desejado ou apenas na ilusão de serem algo que não são, mesmo que sofrendo por serem minoria, mas ainda assim, não se reconhecendo. A sociedade reconhece, filho.
A bala sempre atinge o alvo. Não tem bala perdida na terra brasilis.
Hoje sou a resistência de um povo que foi sequestrado, açoitado, forçado ao trabalho sem remuneração, estuprado, jogado na rua e despido de qualquer cidadania. Aqui estamos ainda. Tentam nos eliminar, mas resistimos. Tentam nos ignorar, mas entramos nas universidades. Tentam nos apagar, mas ocupamos as câmaras estaduais e a Federal.
Essa seguirá sendo a nossa história.
A história de quem apanha, cai e levanta. A história dos que defendem a democracia mesmo quando ela já se mostra perdida.
O ato do voto é apenas uma pequena parte do exercício democrático. Talvez o único que permanece vivo. No entanto, sua existência talvez já não importe tanto, já que a escolha de um presidente foi feita pela disseminação da mentira e do medo.
Mas que inocência me faria acreditar que apenas isso elegeu alguém? Não. Quem votou sabe. Sabe que ele recebeu dinheiro da JBS, sabe que ele é homofóbico, sabe do racismo, xenofobia, do nepotismo, do enriquecimento ilícito. Sabem. Mas a escolha vai além disso. Vai pelo caminho do ódio.
Mas que ódio é esse? Eu convivia com quem queria o meu mal e nem sabia? Talvez.
Enquanto eu não ameaçava qualquer privilégio deles, eu tinha um lugar em suas vidas. Talvez para que estivessem confortáveis e se sentissem menos ou nada preconceituosos. "Eu até tenho um amigo negro", diziam. Quando eu consegui aquela vaga na Universidade que eles julgavam ser deles, eu virei inimigo. Quando a mulher disse que não aceitaria um relacionamento abusivo, ela virou ameaça.
Quando um gay disse que não voltaria para o armário, virou ameaça. Quando uma mulher negra disse que não voltaria pra senzala simbólica a que estavam encarceradas, viraram ameaça. Quando o pobre dividiu a poltrona do avião e voltou pra visitar os parentes, virou ameaça. Quando ficou "difícil" encontrar empregada doméstica, viraram ameaça.
Assim como um golpe militar travestido de republicano foi a solução de uma elite escravocrata para frear a liberdade negra um ano após a abolição, agora tentam frear a ascensão progressista e suas múltiplas identidades que rogam por um espaço ao sol. Querem o direito de existir. Isso é democracia. É o exercício pleno da cidadania por todos os habitantes. É ter seu direito à educação de qualidade garantido. É ter direito a comer. Básico. Direito à moradia. Básico. Não é a esmola ao transeunte que vai resolver a consciência frágil de uma classe média que se vê como elite. Essa classe média que sustentou a eleição de um candidato notoriamente preconceituoso é o representante de seus anseios.
É a classe média que aplaude um jovem preso acorrentado ao poste. É a classe média que bate panela mesmo sem ter passado fome. É a classe média que fecha os olhos para o genocídio da juventude negra. É a classe média que incentiva e se orgulha da desigualdade. É a classe média que bate continência para uma polícia que mata e morre. Pretos e pobres que matam outros tão pretos e tão pobres quanto ela. É a classe média que coloca seu Iphone acima da vida. É a classe média que apoiou a ditadura e só se deu conta do que tinha feito quando seus filhos morreram nos porões do DOI-CODI. É a classe média brasileira que não quer deixar de tirar selfie com o Mickey, mas se diz patriota.
Um patriotismo de araque. Um patriotismo fascista e hipócrita. Quem ama seu país de verdade não pensa que o caminho para um compatriota, mesmo que diferente dele, seja o exílio.
Eu fui traído por aqueles que achei um dia serem meus amigos. Ganhei outros tantos na caminhada de luta e resiliência.
A bala sempre atinge o alvo. Não tem bala perdida na terra brasilis.
Hoje sou a resistência de um povo que foi sequestrado, açoitado, forçado ao trabalho sem remuneração, estuprado, jogado na rua e despido de qualquer cidadania. Aqui estamos ainda. Tentam nos eliminar, mas resistimos. Tentam nos ignorar, mas entramos nas universidades. Tentam nos apagar, mas ocupamos as câmaras estaduais e a Federal.
Essa seguirá sendo a nossa história.
A história de quem apanha, cai e levanta. A história dos que defendem a democracia mesmo quando ela já se mostra perdida.
O ato do voto é apenas uma pequena parte do exercício democrático. Talvez o único que permanece vivo. No entanto, sua existência talvez já não importe tanto, já que a escolha de um presidente foi feita pela disseminação da mentira e do medo.
Mas que inocência me faria acreditar que apenas isso elegeu alguém? Não. Quem votou sabe. Sabe que ele recebeu dinheiro da JBS, sabe que ele é homofóbico, sabe do racismo, xenofobia, do nepotismo, do enriquecimento ilícito. Sabem. Mas a escolha vai além disso. Vai pelo caminho do ódio.
Mas que ódio é esse? Eu convivia com quem queria o meu mal e nem sabia? Talvez.
Enquanto eu não ameaçava qualquer privilégio deles, eu tinha um lugar em suas vidas. Talvez para que estivessem confortáveis e se sentissem menos ou nada preconceituosos. "Eu até tenho um amigo negro", diziam. Quando eu consegui aquela vaga na Universidade que eles julgavam ser deles, eu virei inimigo. Quando a mulher disse que não aceitaria um relacionamento abusivo, ela virou ameaça.
Quando um gay disse que não voltaria para o armário, virou ameaça. Quando uma mulher negra disse que não voltaria pra senzala simbólica a que estavam encarceradas, viraram ameaça. Quando o pobre dividiu a poltrona do avião e voltou pra visitar os parentes, virou ameaça. Quando ficou "difícil" encontrar empregada doméstica, viraram ameaça.
Assim como um golpe militar travestido de republicano foi a solução de uma elite escravocrata para frear a liberdade negra um ano após a abolição, agora tentam frear a ascensão progressista e suas múltiplas identidades que rogam por um espaço ao sol. Querem o direito de existir. Isso é democracia. É o exercício pleno da cidadania por todos os habitantes. É ter seu direito à educação de qualidade garantido. É ter direito a comer. Básico. Direito à moradia. Básico. Não é a esmola ao transeunte que vai resolver a consciência frágil de uma classe média que se vê como elite. Essa classe média que sustentou a eleição de um candidato notoriamente preconceituoso é o representante de seus anseios.
É a classe média que aplaude um jovem preso acorrentado ao poste. É a classe média que bate panela mesmo sem ter passado fome. É a classe média que fecha os olhos para o genocídio da juventude negra. É a classe média que incentiva e se orgulha da desigualdade. É a classe média que bate continência para uma polícia que mata e morre. Pretos e pobres que matam outros tão pretos e tão pobres quanto ela. É a classe média que coloca seu Iphone acima da vida. É a classe média que apoiou a ditadura e só se deu conta do que tinha feito quando seus filhos morreram nos porões do DOI-CODI. É a classe média brasileira que não quer deixar de tirar selfie com o Mickey, mas se diz patriota.
Um patriotismo de araque. Um patriotismo fascista e hipócrita. Quem ama seu país de verdade não pensa que o caminho para um compatriota, mesmo que diferente dele, seja o exílio.
Eu fui traído por aqueles que achei um dia serem meus amigos. Ganhei outros tantos na caminhada de luta e resiliência.
Hoje sou a resistência de um povo.
Hoje sou um pouco de todos que ainda acreditam no amor como forma de defender a vida. O amor não afaga apenas. Amor também é duro para dizer o que for necessário. Amor também tem cobrança. Amor também tem deveres e direitos. Por isso irei amar com todas as forças. Amarei meus companheiros de jornada para que possamos resistir. Amarei meu adversários, para que eu possa mostrar-lhes que nesse jogo político, onde a minha integridade física está ameaçada, a mão deles que diz afagar, está coberta de sangue, mas que ainda é possível limpar.
Estou triste, mas de pé.
Ninguém irá matar meus sonhos. O que trago em mim é inatingível.
Ass. Resistência
Hoje sou um pouco de todos que ainda acreditam no amor como forma de defender a vida. O amor não afaga apenas. Amor também é duro para dizer o que for necessário. Amor também tem cobrança. Amor também tem deveres e direitos. Por isso irei amar com todas as forças. Amarei meus companheiros de jornada para que possamos resistir. Amarei meu adversários, para que eu possa mostrar-lhes que nesse jogo político, onde a minha integridade física está ameaçada, a mão deles que diz afagar, está coberta de sangue, mas que ainda é possível limpar.
Estou triste, mas de pé.
Ninguém irá matar meus sonhos. O que trago em mim é inatingível.
Ass. Resistência
Ernesto Xavier é ator, jornalista e escritor. Autor do livro "Senti na pele".