terça-feira, 28 de junho de 2016

O discurso da extrema direita ganha audiência (Por Thiago Muniz)

Recebe a classificação de extrema direita toda manifestação humana que possua orientação considerada exageradamente conservadora, elitista, exclusivista e que alimente ainda noções preconceituosas contra indivíduos e culturas diferentes das de seu próprio grupo. Assim, é considerado de extrema direita o indivíduo, grupo ou filosofia que se localize mais à direita do pensamento de direita comum a todas as sociedades do planeta.

Muitas vezes o termo é utilizado para sugerir um individuo ou grupo com ideias extremistas, preconceituosas ou ultraconservadoras.

Seja como for, o pensamento de extrema direita em geral está baseado na crença, muitas vezes messiânica, da condição especial de determinado povo, cultura ou crença, bem como na iminente ameaça que este grupo irá ou já esteja sofrendo por parte de outros grupos diferentes em meio ao seu caminho ao domínio de todas as outras sociedades, sendo necessária a união e mobilização contra tal ameaça vinda "do outro".

Desde a década de 80 do século XX o termo vem sendo bastante utilizado para classificar a ideologia de grupos, muitas vezes armados, que patrocinam através de desfiles e passeatas, na Europa e Estados Unidos, o pensamento do partido nazista alemão e fazem culto ao seu líder, Adolf Hitler. Estes tais grupos de extrema direita ficaram conhecidos através da imprensa pelo nome genérico de neo-nazistas, existindo dentro desses grupos de extrema direita, porém, as mais diversas ramificações filosóficas.

Ultimamente, o termo vem sendo aplicado também a partidos ultraconservadores presentes especialmente na Europa, que se apoiam no medo do europeu com relação ao imigrante, que além de ser promovido como alguém que chega "de fora" para tomar o emprego do cidadão comum europeu, ainda desvirtuaria a cultura cristã tradicional do continente com suas diversas religiões, línguas e costumes, com especial atenção ao islã, que seria uma religião promotora do terrorismo.

Nos Estados Unidos, outro centro importante de atividade de grupos de extrema direita, pode-se citar nesta categoria a tradicional Ku Klux Klan, surgida logo após o fim da Guerra Civil Norte-americana, ativa ainda hoje, e que prega a supremacia da raça branca (caucasiana), ultranacionalismo e combate à imigração estrangeira.

A imagem da KKK ficou eternizada em filmes, livros e canções pela perseguição de negros e mexicanos, realizando muitas vezes linchamentos fotografados e documentados como ato de validação dos valores de sua organização. Além da KKK, podemos encontrar nos EUA grupos de extrema direita baseados nos cultos religiosos, em especial na região do chamado Bible Belt (cinturão bíblico) região sudeste dos EUA, onde há grupos que seguem uma filosofia cristã extremamente rigorosa.

Aliás, é dessa região que se originou o termo "fundamentalismo", que foi utilizado pela primeira vez no final do século XIX para descrever os crentes daquela região. Outra corrente extremista nos EUA encontra-se baseada em grupos armados, que adotam todo um estilo de vida à volta da arma e do conceito de proteção contra o inimigo imigrante estrangeiro, isso sem deixar de mencionar os grupos neo-nazistas, presentes em todo território norte-americano, muitas vezes mesclando características similares com as dos grupos armados ou religiosos.

Além de todos esses grupos, podem ser encontrados simpatizantes da extrema direita nos dois partidos predominantes na política norte-americana, os partidos Republicano e Democrata, pois, apesar de sempre disputarem o poder a cada eleição legislativa ou executiva, estes dois partilham muitas ideias conservadoras que beiram às vezes as ideologias de extrema direita.

A extrema-direita, marcadamente associada às trágicas experiências do nazifascismo, continua apresentando muitos traços originais do contexto de sua emergência: irracionalismo, nacionalismo, defesa de valores e instituições tradicionais, intolerância à diversidade — cultural, étnica, sexual — anticomunismo, machismo, violência em nome da defesa de uma comunidade/raça considerada superior. 

Compartilhando do ideário político vinculado aos interesses de dominação, opressão e apropriação privada da riqueza social, distancia-se da direita tradicional pela intolerância e pela violência de suas ações, embora, quando organizada em partidos ou associações públicas, recuse tais práticas por parte de seus membros.

O fascismo se configurou como uma experiência histórica emblemática da barbárie, uma vez que se concretizou no mesmo solo ocidental que semeou o projeto civilizatório da modernidade, fundado na razão, no Estado laico e no humanismo. Sua reedição tem sido recusada por vários pensadores, tanto pelas feridas traumáticas que o fascismo legou para a humanidade quanto pela compreensão da história como processo irrepetível. 

No entanto, uma abordagem crítica sobre a totalidade social permite identificar que se a história não se repete, uma vez que expressa particularidades da ação concreta dos homens no atendimento de necessidades também históricas e particulares, sua processualidade contraditória é constituída de momentos de conservação e de superação que só são radicalmente ultrapassados por rupturas revolucionárias.

O resultado é que de modo crescente, a preferência pelo discurso abertamente radical de direita vem ganhando adeptos, mudando o perfil destes e começando a surgir mesmo em países sem tradição de suporte a este radicalismo. 

A pesquisa apura uma média geral do crescimento dos votos em partidos de extrema-direita em todas as eleições nacionais ocorridas desde o surgimento destes partidos até o ano de 2008 na Europa ocidental (Portugal, Espanha, Irlanda, Alemanha, çustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Itália, Luxemburgo, Reino Unido e Suécia). 

O resultado é que o crescimento da média de votos em partidos da nova extrema-direita cresceu de 1,36% em eleições do começo da década de 1980 para 7% em eleições de 2008.

Cresce a extrema direita no Brasil. Felizmente, tirando os deputados Feliciano e Bolsonaro, tem pouca presença institucional. Mas, de duas uma: ou criará um partido novo, ou continuará numa relação ambígua com o PSDB, que lhe dá votos mas perturba a identidade.

A extrema direita não elege quase ninguém aqui. Para cargos executivos, menos ainda. Mas se fortalece na expressão de suas ideias. É fraca em poder, mas avança no berro. Para usar a expressão de Gramsci, disputa a hegemonia. Degrada o debate no país.

Durante alguns anos, PSDB e PT, representando nossa centro-direita e centro-esquerda, viveram uma aproximação na prática - ainda que ela fosse negada no discurso de ambos. Mas nos últimos anos a retórica subiu em decibéis. Temos um paradoxo: candidato, Aécio Neves prometeu continuar a política social do PT; reeleita, Dilma Rousseff adotou medidas econômicas dos tucanos. Portanto, a realidade não os afasta tanto - mas, na aparência, eles parecem estar quase em guerra. 

O que vale, a realidade fria ou a aparência raivosa? As políticas econômicas e sociais, ou a retórica desenfreada? a razão ou a paixão? Porque guerras favorecem os extremos.

Onde é mais fácil ver a extrema direita é na internet. Ela povoa os comentários das redes sociais e das edições online dos jornais. É incrível o ódio que destila. Há poucos dias, lendo as notícias sobre o fuzilamento de Marcos Archer na Indonésia, me surpreendeu a quantidade de comentários atacando o PT, que nada tinha a ver com o assunto. 

A maior parte era escrita por pessoas desinformadas da realidade e desacostumadas ao cultivo da língua. Mas são veementes. Felizmente, não vão muito além do Facebook e dos blogs.

Ou não iam. Saíram da internet e foram para as ruas nos últimos meses - numa paródia, em menor, das manifestações de 2013. Pediram que os militares rasgassem a Constituição e tomassem o poder. No diagnóstico, erram. Misturam em seu ódio homossexualidade, Hugo Chávez e programas sociais. Nas suas propostas, nem percebem que o mundo atual não está para golpes. O que fariam as Forças Armadas, se tomassem o poder? Meio século atrás, os golpistas tinham uma agenda inteira montada. Os militares não tinham afeição pela democracia. 

Os empresários receavam os movimentos sociais, que avançavam. A economia estava em grave crise. O governo norte-americano apoiava qualquer golpe de direita na América Latina. Hoje, nada disso existe. Os extremistas são, literalmente, reacionários. Querem que o mundo recue. Não têm projeto viável.

Esse público nas ruas e na Internet vai além de seus próprios pregadores na mídia. Alguns colunistas de jornal chegaram perto de declarar ilegítima a eleição de 2014, o que é uma afirmação bastante grave de se fazer numa democracia, mas não lembro nenhum que tenha pedido a derrubada do governo eleito. Entre os ideólogos e seus seguidores que foram às passeatas ou escrevem em blogs, há uma distância. Os primeiros são mais informados, mais inteligentes. Os segundos, não. Apenas radicalizam.

Mas um problema sério é que essa extrema direita, que tem votado no PSDB nos momentos decisivos, pressiona nosso partido que porta em seu nome a social-democracia - uma denominação típica da esquerda - a ir para a direita. E isso traz alguns resultados. Assim se entende o uso do aborto na campanha tucana em 2010 ou a ênfase de Alckmin numa política repressiva de segurança. Esse fato cria problemas de identidade no PSDB, reduzindo o peso do passado glorioso de Montoro, Covas, Ruth Cardoso. É óbvio que FHC não deve se sentir confortável com esse avanço dos extremismos.

Pode essa extrema direita, que é mais forte em São Paulo, mas cujo tamanho exato ninguém no Brasil é capaz de mensurar, alterar a natureza do PSDB? Não me parece provável. Ela deve manter seu papel de aliada subordinada. Presta o serviço de destruir imagens petistas e recebe alguma compensação midiática por isso. Mas é uma aliada incômoda. Não gosta dos direitos humanos, com os quais o PSDB histórico tem um forte compromisso. Não gosta dos programas sociais, dos quais os tucanos não querem ou não podem abrir mão.

Pior, a extrema direita carrega o risco de convencer demais. Ela ajuda o PSDB na medida em que reforça o antipetismo de parte razoável do eleitorado - mas, se crescer em votos, pode fazer os tucanos perderem os votos de seus eleitores iluministas e, pior, tornar-se dominante em algumas seções regionais do PSDB, o que poria o partido em sério risco.

Há outra possibilidade, para a qual me alertou o cientista político português Álvaro Vasconcelos, ora professor visitante no IRI da USP. Sem o PSDB, a extrema direita pode se tornar um partido próprio, e este pode ganhar força. É o que sucede na Europa. A Frente Nacional ameaça a política francesa há anos. Tem uma votação elevada, embora o sistema eleitoral francês traduza esses sufrágios em pouquíssimos cargos de efetiva significação.

Mas essa é uma possibilidade remota. Como a extrema direita brasileira, dado o seu exacerbado antipetismo, acaba apoiando o PSDB, ela não se organiza para tomar o poder. Prefere operar nas laterais. Sabe que - hoje - teria poucos votos, se disputasse as eleições para valer. 

Mas é preciso fazer constantemente o balanço do que é melhor para o país e para os tucanos - se é a extrema direita continuar subordinada, sem voz independente mas podendo minar um partido sério, com história e com futuro, ou se é ela adquirir voz e identidade próprias, com o risco de crescer mais. Porque o atual, talvez crescente, desencanto com os políticos favorece aventuras.













BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.




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