terça-feira, 21 de junho de 2016

A classe média no Brasil: os capitães do mato da elite oligárquica (Por Thiago Muniz)

Acontece que a classe média tem a sina de ser Capitão do Mato.

O momento político em que o Brasil vive é exemplo disso: Nunca seremos convidados a sentar à mesa dos patrões. Mas insistimos em nos dividir, numa irreal sensação de superioridade. De fato, insistimos em nos dividir, enfraquecendo-nos. Enquanto isto, perdemos direitos, perdemos nossa Democracia, perdemos as recentes conquistas sociais.

A classe média precisa sacar que os biscoitos que nos dão é convite para a manutenção do status quo, onde poucos detêm muito e muitos não detêm nada. E, para continuar essa lógica de exploração, precisam contar conosco, fazendo nosso trabalho de cães de guarda.

A história repete-se, “como farsa ou tragédia”. A classe média segue tragicamente cumprindo o papel que lhe cabe: Entregando os irmãos para o Coronel.

A falta de cultura é generalizada na America Latina e a falta de uma cultura de classe social dentro do processo capitalista terceiro mundo gera essa burrice geral de medo e defesa dos valores de outra classe burguesa a qual nunca pertenceremos. O que faz a diferença nessa luta é o papel que temos na evolução da sociedade e este é relegado ao transposição ao papel de grupo hegemônico através de uma propaganda discreta.

Eternos coadjuvantes. E nada livres. Esse sentimento foi cirurgicamente acoplado, ano após ano, seja em momentos históricos de tensão, seja por propagandas publicitárias na Ditadura Militar. Também por religiões eurocêntricas que nos moldam e que criminalizam as matrizes africanas, e, entre várias outras coisas, por todo nosso passado de exploração.

O chamado “brasileiro médio” não se posiciona. E não percebe que é em sua inércia que a violência cresce. Não percebe, ou não quer perceber, que essa violência tem lado e cor.

O estudante, o intelectual, que senta e assiste a tudo, inevitavelmente violenta!

E é preciso fazer autocrítica sobre o que está colocado.

O capitão do mato era na origem um empregado público da última categoria encarregado de reprimir os pequenos delitos ocorridos no campo. Na sociedade escravocrata do Brasil, a tarefa principal ficou a de capturar os escravos fugitivos. O termo capitão do mato passou a incluir aqueles que, moradores da cidade ou dos interiores das províncias, capturavam fugitivos para depois entrega-los aos seus amos mediante prêmio.

Os capitães do mato gozavam de pouquíssimo prestígio social, seja entre os cativos que tinham neles os seus inimigos naturais, seja na sociedade escravocrata, que os considerava inferiores até aos praças de polícia, e os suspeitava de sequestrar escravos apanhados ao acaso, esperando vê-los declarados em fuga para depois devolvê-los contra recompensa.

O autor Martins Pena, ao adaptar a figura ridícula de Pantaleone do teatro italiano para o cenário do Brasil, o colocou naquela profissão (“O Capitão do Mato”, 1855).

Somos a atual classe média brasileira. Chegamos aqui de diversas maneiras:

Alguns ascenderam na Era Lula, outros vieram “de cima” por meio de um pai que faliu e a família precisou se reajeitar com menos luxo. Outros, sempre mantiveram este posto econômico.

A especulação imobiliária afastou os funcionários que construíram as cidades, mas nós permanecemos nos centros urbanos, endividados ou não. Viemos do interior, com alguma história triste para contar: Um bisavô que laçou uma índia, um tataravô que estuprou uma negra escravizada.

Somos assim, “mamelucos”, mas sempre pendemos para o lado do opressor. Batemos no peito com orgulho pra contar nossa ascendência portuguesa, espanhola ou o que seja. Ninguém quer mencionar a ascendência “pobre” na família.

Somos filhos da história da repressão, mas também de muita resistência, mesmo que não saibamos. Somos filhos de conflitos e vivenciamos conflitos, mas preferimos não nos posicionar.

Vivemos numa recém-democracia e temos acesso a tudo. Somos consumidores de jornais, formadores de opinião e estamos diariamente conectados com a internet, com a velocidade e imediatismo da informação.

Muitas coisas acontecem ao nosso redor e pouco participamos, a não ser para darmos nossa “valiosa” opinião.

Há uma semana, por exemplo, uma moça sofreu um estupro coletivo no Brasil, o caso repercutiu muito, e onde estávamos? Atrás da tela do computador brincando de detetives.

Herdamos dos nossos antepassados patriarcais, o costume de culpabilizar a vítima. Com certeza o fizeram com a nossa bisavó índia, tataravó negra. Julgamos o comportamento, o passado da vítima, sua sanidade, seu poder de decisão. Quando isso não foi o bastante, criminalizamos o Funk, a roupa, o horário, a favela. Tudo, menos os estupradores.

Há meses cinco jovens negros foram fuzilados com 111 tiros de graça. Todos os dias a juventude negra é executada nas favelas. Todos os dias uma bala perdida “acha” um negro. E todos os dias a culpa é dos costumes, da música, do jeito de andar. E por que não dizer logo: Do nosso racismo?

O que há conosco? Qual é o nosso problema com a periferia? Em que momento da nossa história nós deixamos de nos identificar com nossos pares e passamos a nos sentir parte da “Casa Grande”?

Qualquer criança consegue desenhar uma pirâmide econômica e compreender que estamos aqui embaixo. Nós, os “viados”, os sem terra, a garota estuprada, o Amarildo, os cinco meninos.

Precisamos sair do discurso vitimista e nos enxergarmos como seres providos do senso de responsabilidade, e, que, por isso mesmo, temos a capacidade de realizar leitura de mundo, e, como tal, sabermos que somos diuturnamente explorados, mas acima de tudo, ainda que com uma pequena margem de atuação, podemos fazer por nós o que o poder público tem por obrigação de fazê-lo.

Enquanto isso, não podemos nos entregar e culpabilizar somente o outro. Temos uma margem de atuação para modificarmos nossas vidas. Sendo assim, continuemos a luta fazendo por nós o que somente nós podemos fazer! E estudar é um desses caminhos! É uma das poucas alternativas que nos restou, ainda!

















BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.



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