quarta-feira, 20 de abril de 2016

O sul-realismo fantástico toma conta do Brasil (Por Thiago Muniz)

E quem conta são os jornalistas estrangeiros.

O golpe parlamentar em curso no Brasil está sendo tratado por grande parte da imprensa internacional como uma grave ruptura das instituições democráticas do país. Tendo em vista que, internamente, um dos pilares dessa situação é a predileção da maior parte da chamada grande imprensa pelo lado que apoia o impeachment da presidente Dilma Rousseff, as versões publicadas por correspondentes e enviados especiais diferem fortemente dos enquadramentos vistos pelas bandas de cá. 

Várias são as matérias divulgadas nos últimos dias por meios alternativos ou de menor alcance no cenário brasileiro acerca da questão. Assim, como o tema está sendo bastante comentado, enfoco apenas algumas das muitas matérias sobre o assunto.

A votação sobre a admissão do processo de destituição de Dilma no último domingo, na Câmara dos Deputados (que terminou com 367 votos para o sime 137 pelo não) foi um show de horrores. Indo de votos em “nome de Deus” a deputados federais cantando paródias e soltando confetes, o circo do dia 17 de abril foi bem definido pela manchete do irlandês Irish Times: “Brasil envia os palhaços para votar impeachment de Rousseff”. No texto, o enviado especial Tim Hennigan comenta que, mesmo tendo Tiririca, um dos palhaços mais amados do país, como congressista, outros políticos se mostraram como piadistas ainda maiores. “Na mais importante sessão do Legislativo do país em quase um quarto de século, muitos de seus membros se comportaram com o decoro dos fãs de futebol bêbados em um clássico local”. 

O jornalista comenta que, com o passar do tempo, era difícil não simpatizar com o lado contrário ao impeachment — mesmo porque, do outro lado, se posicionam o extremista Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a “aranha no centro da teia”, denunciado por envolvimento em diversos casos de corrupção.

O New York Times, na semana passada, havia publicado texto no qual afirma que os políticos que tentam tirar Dilma Rousseff da presidência enfrentam eles próprios acusações de corrupção, apresentando a situação como exemplo de hipocrisia, já que a presidente não responde a nenhuma acusação. 

Na segunda (18/04), o periódico norte-americano noticia que, apesar da empolgação dos oposicionistas, o resultado da votação não termina com a crise brasileira. O NYT aproveita para apresentar o vice-presidente Michel Temer como um “cavaleiro cuja armadura não é muito brilhante”, já que ele foi denunciado em irregularidades.

“Deus derruba a presidenta do Brasil” é a irônica manchete do periódico espanhol El País sobre o desfile da alegada “religiosidade” dos congressistas ao microfone da Câmara. O bizarro cabedal de dedicatórias de votos é relembrado pela jornalista María Martín, que observa, porém, que as chamadas pedaladas fiscais foram completamente esquecidas como razão de voto pelo sim. 

María diz que a Casa legislativa se vê repleta de fundamentalistas religiosos e que possui uma clara tradição de nepotismo. Ao final do texto, além do Todo-Poderoso, a jornalista espanhola acrescenta os netos dos deputados como responsáveis pelo resultado da votação.

O grotesco pronunciamento de Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra — torturador de centenas de pessoas e da presidente Dilma e seu ex-marido — causou espanto e revolta ao comentarista político Miguel Sousa Tavares, da rede portuguesa SIC:

“Nunca vi o Brasil descer tão baixo”, disse. “Chegar a essa grau de indignidade ultrapassa tudo que é respeitável”. Tavares atacou também o processo levado a cabo na Câmara, desqualificando a tentativa de derrubada do governo. “Foi uma assembleia-geral de bandidos, comandada por um bandido chamado Eduardo Cunha”. 

O jornal britânico The Guardian comenta que a figura de Bolsonaro é extremamente controversa, principalmente em assuntos relacionados a mulheres (é citada sua agressão verbal à também deputada federal Maria do Rosário), e que, apesar de suas demonstrações de machismo, ele é o terceiro político com mais “likes” no Facebook. A matéria do Guardian observa que a deplorável fala de Bolsonaro acabou sendo um “dedo” nas feridas da ditadura, pois o tema foi colocado para a presidente em seu encontro com a imprensa internacional na terça-feira (19/04). Na ocasião, Dilma não citou o nome do parlamentar, mas disse ser deplorável que o momento no país tenha aberto espaço para a intolerância, o ódio e esse tipo de declaração.

Na segunda-feira (18/04), a mandatária havia feito um pronunciamento em Brasília sobre a votação. É necessário dizer que o pronunciamento de Dilma foi transmitido ao vivo pelo canal de TV argentino Todo Noticias, enquanto, no Brasil, nenhuma rede colocou a presidente no ar. Isso é um indicativo forte de duas coisas: a grande importância que os argentinos estão dando ao tema; o absurdo posicionamento da chamada grande imprensa brasileira, que, em um momento de ebulição como o atual, resolve não dar visibilidade à mandatária. 

Por quê? Por qual razão Dilma não podia ter sido ouvida naquele momento? 

Não há justificativa plausível — em se levando em conta as prerrogativas de um jornalismo minimamente responsável, obviamente.

O jornalista norte-americano baseado no Brasil Glenn Greenwald, vencedor do prêmio Pulitzer e editor do The Intercept — que, há duas semanas, havia entrevistado o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva –, deu uma excelente entrevista entrevistado pela veterana Christine Amanpour, da CNN.

Ao citar as acusações contra figuras como Paulo Maluf, Eduardo Cunha e outros políticos que julgam Dilma, Amanpour pergunta, assombrada: “O que está acontecendo?!?”. Ele responde que Dilma não é acusada por nenhum crime e que o processo de impeachment é antidemocrático e que a elite empresarial e as grandes empresas de mídia do país empurram o processo. 

Greenwald comenta que o impeachment ser liderado por Cunha, político que comprovadamente possui contas não-declaradas na Suíça e está envolvido em uma diversidade de escândalos, é a situação mais absurda que ele já cobriu como jornalista. Ao ser perguntado se Dilma deverá renunciar ou ser tirada do poder, Greenwald sustenta que é pouquíssimo provável que ela deixe a presidência por renúncia, pois é uma mulher forte, que sobreviveu aos horrores da tortura durante o período militar.

Ao contrário do velho jargão jornalístico que diz que “só nos resta esperar”, é urgente defender a democracia brasileira antes que seja tarde. O processo de impeachment teve seu estrondoso início com o espetáculo das trevas na Câmara, mas ainda há um complexo caminho a ser percorrido. O que mais espanta nessa situação é que a imprensa internacional, com simplicidade, faz o trabalho que grande parte do jornalismo brasileiro não quer. 

Ou, como sabemos em muitos casos, não pode. Urge pensar sobre a responsabilidade que o campo midiático-jornalístico carrega em todo o imbróglio atual e, nesse sentido, é obsceno o posicionamento de vozes como Eliane Cantanhêde, do Estadão, que afirma que a narrativa estrangeira está sendo comandada por uma imagem vendida pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Além da vergonha alheia quando se vê que a coluna da articulista é definida como “um olhar crítico no poder e nos poderosos”, dá pena observar que análises tão rasteiras e superficiais são as que marcam espaço na imprensa tradicional — para não ser injusto e comentar apenas Cantanhêde, pode-se relatara que analistas como Merval Pereira, do canal GloboNews, também chiaram contra os meios estrangeiros, afirmando que eles não conseguem “compreender” o cenário nacional.

Política e socialmente, pouco parece ter mudado na orientação dos meios jornalísticos desde 1964. Mas há uma grande dificuldade de essas empresas imporem uma versão única dos fatos, seja pela concorrência com periódicos alternativos, seja pelas expressões individuais e coletivas de grupos que não são profissionais da notícia, mas que divulgam informações e são compartilhados e retuitados.

Afora isso, as empresas jornalísticas externas tentam entender o que acontece nessas terras, e apesar da complexidade da situação, os jogadores e seus interesses vão ficando cada vez mais claros, especialmente sob os discursos de honra a Deus, aos filhos, netos, sobrinhos, corretores de seguros e à paz de Jerusalém. Por essa razão, é cada vez mais importante ver, ler e ouvir o que profissionais do exterior têm a dizer sobre o realismo fantástico que tomou conta do Brasil.











BIO

Thiago Muniz tem 33 anos, colunista dos blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor e do blog Eliane de Lacerda. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para:thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.


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