Pediu US$ 500 mil emprestados a dois amigos joalheiros para se estabelecer como comerciante de ouro no meio do mato. Comprava ouro na Amazônia e revendia no Sudeste. Em pouco tempo, os US$ 500 mil viraram US$ 6 milhões. É mais dinheiro do que parece. US$ 6 milhões do começo dos anos 80 equivalem a US$ 15 milhões de hoje.
Em vez de torrar esses milhões vivendo a melhor juventude que o dinheiro pudesse comprar, Eike fez o que parecia menos sensato: gastou tudo em máquinas que faziam extração mecânica de ouro. E os US$ 6 milhões viraram US$ 1 milhão. Por mês. Três milhões de reais em dinheiro de hoje. Ele não parou nisso. Claro. Comprou mais minas, mais máquinas, ficou sócio de empresas peso-pesado da mineração e, com 40 e poucos anos, chegou ao primeiro bilhão de dólares.
No começo dos anos 2000 resolveu trocar o ouro por minério de ferro. Perfeito: se ouro vale “mais do que dinheiro”, minério de ferro vale mais do que ouro. Por causa volume, lógico: todo o ouro minerado na história da humanidade dá mais ou menos 140 mil toneladas. Isso é o que a Vale extrai de minério de ferro em seis horas.
Em 2005, então, ele fundou sua mineradora, a MMX. Um ano e meio depois, vendeu uma fatia dela para outra mineradora, a Anglo-American. Pagaram US$ 5,5 bilhões. Ou seja: o negócio com a Anglo-American foi mais do que suficiente para que Eike fosse dormir sabendo ser o homem mais rico do Brasil.
E Eike aproveitou a maré. Foi financiar sua ideia mais ambiciosa: a de construir uma concorrente da Petrobras. Era a OGX, seu projeto de companhia de petróleo. Em 2008, Eike lançou ações dela na bolsa. Na prática, estava vendendo 40% da OGX antes de ela virar realidade. Levantou R$ 6 bilhões nessa – era o maior IPO (venda inicial de ações) da história da Bovespa até então.
Agora ele era o herói.
Assim: uma mineradora sempre precisa pagar para que algum porto escoe a produção dela – de preferência para a China, o maior consumidor de minério do mundo. Então porque não ser dono da mineradora e do porto também? Então criou a LLX, uma empresa de logística dedicada à construção de portos. Mais: mineradoras e portos precisam de energia. E pagam caro por isso. Então valia a pena ser dono da companhia de energia também. Eike já tinha uma empresa de termelétricas desde 2001, a MPX. Agora, então, a MPX faria as usinas que alimentariam as minas da MMX, os portos da LLX e as instalações da OGX. A própria MPX seria também alimentada por outra empresa de Eike: a CCX, uma companhia de mineração de carvão dedicada a fornecer combustível para suas termelétricas.
Ah: a OGX precisava de um fornecedor de equipamentos de perfuração e de plataformas marítimas. Quem fabricaria tudo isso para Eike? Eike mesmo, ué. Então ele fundou a OSX, um estaleiro sob medida para alimentar as necessidades da OGX. E onde instalar a OSX? No porto da LLX. Porto que, de quebra, também pode estocar petróleo da OGX.
No papel, a ideia é irresistível: uma companhia ajudando a outra, num círculo virtuoso sem fim. O mercado gostou. E cada uma dessas empresas teve seu IPO bilionário, o que levaria Eike aos seus US$ 34 bilhões e à sétima posição na lista da Forbes em 2012.
Só tem um problema: os mesmos elementos que moldam um círculo virtuoso também podem trazer um círculo vicioso. Foi o que aconteceu. A OGX saiu do papel produzindo só 25% do que a própria empresa esperava. Nisso, a OSX enfraqueceu também: a petroleira de Eike tem encomendas no valor de US$ 800 milhões com o estaleiro de Eike; se a OGX vende pouco petróleo, pode não ter como pagar a OSX. Sem essas duas funcionando a contento, a viabilidade da LLX fica em dúvida, já que o estaleiro e a petroleira são clientes do porto. Se a LLX não deslancha, complica para a MPX, que vende energia para ela. E aí quem pode ficar sem cliente é a CCX.
Nisso, o mercado passou a ver a interconexão das empresas X mais como vício do que como virtude. E o valor de mercado delas despencou, levando junto uma fatia da fortuna de Eike, já que o grosso de seu patrimônio são as ações que ele tem das próprias companhias. O preço somado de todas as ações da OGX, por exemplo, já foi de R$ 75 bilhões. Hoje é de R$ 10 bilhões.
Eike Batista foi preso por ter pago US$ 16,5 milhões de propina a Sérgio Cabral, o ex-governador do Rio que hoje se consolida como um dos maiores corruptos da história do Brasil, com roubos avaliados em US$ 100 milhões, mas que podem chegar a bem mais que isso. Não se sabe até este momento que tipo de vantagens Eike obteve com o suborno (e outros mimos, como ter praticamente deixado um jato seu à disposição de Cabral e da esposa por anos a fio). A maior suspeita, de qualquer forma, recai sobre as facilidades que o empresário obteve para montar o Porto do Açu (da ex-LLX) em São João da Barra (RJ) – desapropriações-relâmpago, isenções fiscais de pai para filho e a venda de terrenos avaliados em mais mais de US$ 1 bilhão por alguns milhões. Ou seja: saiu barato para o empresário
Entendo perfeitamente a vibração das pessoas pela prisão de Eike Batista. O cara tirava onda de bilionário às custas de esquemas brabos de corrupção. Mas não consigo sentir nada além de um sentimento de satisfação pelo fato de a justiça estar sendo feita. Não senti também nenhum tipo de regozijo quando vi a foto dele careca indo preso. Apenas constatei que a vida é mesmo cheia de ironias e reviravoltas. Achei inclusive muito digna a declaração de Eike ainda em NY: "Chegou a hora de pagar pelos erros cometidos", disse. Pelo menos não deu piti como Garotinho e outros.
Vejo as pessoas vibrando como num jogo de futebol. Acho isso muito deprimente. A única coisa boa é a esperança de que, com essas prisões, empresários e políticos pensem duas vezes, antes de participarem de negociatas. É o fetiche sádico da prisão alheia, ainda mais se for empresário rico, como se isso compensasse a frustração por não ser rico.
Eike Batista declarou que no Brasil os empresários são vítimas dos políticos corruptos. Discurso que tem eco, como demonstra as manifestações de apoio que o empresário recebeu no vôo de volta para se entregar. Eike também disse que vai passar o país a limpo. Vai confessar todos os crimes que cometeu? Vai contar como seu papai Eliezer Batista usava informações privilegiadas como presidente da Vale do Rio Doce para beneficiar o filhinho, ainda na ditadura? Será que vai falar dos seus esquemas desde a ditadura, passando por Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma? Essa vitimização do empresariado com a chancela da vênus platinada é muita cara de pau.
Isso é uma mancha triste para o Brasil, dos céus ao inferno; vê-lo de cabeça raspada, entrando no camburão da polícia, e saber que, neste momento, ele está vivendo num cubículo precário, na companhia de outros cinco presos, não nos traz alegria. Esse senhor influenciou muitas pessoas, nos fez acreditar que o Brasil poderia dar certo. A diferença é que o criminoso do colarinho branco, o estelionatário, o vigarista comum, esses não são violentos e não estão habituados à violência.Tudo isso é terrível, é desumano e é uma tragédia brasileira, mas que, pelo menos, sirva de exemplo. Que, pelo menos, outros ocupantes de cargos públicos tenham medo.
BIO
Thiago Muniz é colunista do blog "O Contemporâneo", do site Panorama Tricolor, do blog Eliane de Lacerda e do blog do Drummond. Apaixonado por literatura e amante de Biografias. Caso queiram entrar em contato com ele, basta mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com. Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.
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